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Animal Health

A boa comunicação e o relacionamento interpessoal como prevenção aos processos éticos

A importância do que se fala e de como se fala

Matéria escrita por:

Ana Tasaka

16 de nov de 2023

Um processo ético administrativo, mesmo aqueles com provas a favor do médico-veterinário, causa grande aborrecimento e estresse ao profissional, e muitas vezes poderia ter sido evitado com uma boa comunicação e atenção dispensada ao tutor do paciente atendido. Créditos: PeopleImages.com - Yuri A Um processo ético administrativo, mesmo aqueles com provas a favor do médico-veterinário, causa grande aborrecimento e estresse ao profissional, e muitas vezes poderia ter sido evitado com uma boa comunicação e atenção dispensada ao tutor do paciente atendido. Créditos: PeopleImages.com - Yuri A

Estivemos na segunda edição do Animal Health Expo+Forum 2023 explanando as estatísticas mais recentes relativas ao aumento das denúncias éticas contra médicos-veterinários no estado de São Paulo. A punição, se aplicada, pode ser de advertência confidencial, censura confidencial ou pública, suspensão de até 90 dias e, em casos gravíssimos, cassação da carteira profissional. De acordo com dados do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), 54,3% dos julgamentos realizados de janeiro a setembro de 2023 resultaram em algum tipo de sanção ética.

Os processos éticos (administrativos), regidos pelas regras da Resolução CFMV nº. 1.330, de 16 de junho de 2020, assemelham-se a processos judiciais, e, embora não sejam processados no Tribunal de Justiça, são também desgastantes, tanto para quem denuncia como especialmente para o denunciado; pois, embora prevejam a ampla defesa, por meio da presença de advogados e de todo meio de provas que acharem necessárias, o aborrecimento é certo, mesmo quando o profissional não mereça ser punido eticamente. 

Como as denúncias éticas mais frequentemente recebidas pelo CRMV-SP estão relacionadas ao descontentamento com o atendimento em clínicas e hospitais veterinários, estima-se que parte dessas queixas poderiam ser evitadas pela simples melhora da comunicação. Por exemplo, sabe-se que uma boa e completa anamnese produz um impacto muito grande no correto diagnóstico, até mesmo na ausência de exames complementares – para mais informações, acesse: Informativo_80.pdf em https://crmvsp.gov.br/3d-flip-book/informativo-edicao-80/ .

Assim, podemos nos perguntar por que enquanto alguns médicos-veterinários parecem continuar encantadores aos olhos dos clientes, outros são raivosamente confrontados e denunciados ao CRMV, mesmo não havendo infração técnica ou ética demonstrável? Que química – ou falta dela – acontece entre as pessoas?

Talvez a resposta seja: pela forma como nos comunicamos. A informação pode ser a mesma, mas, tão importante quanto “o que se fala” é “como se fala”. E o que dizer do valor da comunicação não verbal (gestos e olhares)? Tão significativo quanto a comunicação verbal em si, não é mesmo?! Caras, bocas e expressões corporais dizem muito sobre o que pensamos, mesmo que não pronunciemos uma palavra sequer… Claro que o procedimento técnico bem-feito é primordial – entretanto, não é tudo.

Em função do aumento da judicialização e das denúncias éticas contra médicos-veterinários, é imperioso que tais profissionais considerem a possibilidade de autotreinamento e treinamento da equipe, pois, tão importante quanto se preparar para atender bem o paciente, também o é estabelecer um ambiente de confiança com o responsável por ele, o que garantirá maior assertividade no diagnóstico e possivelmente se refletirá no aumento da aderência ao tratamento proposto.

É importante frisar também que nunca se deve confiar em ofertar informação técnica de maneira informal, muito menos sem testemunhas. Coisas importantes a serem realizadas pelo responsável pelo animal devem constar por escrito no receituário, sob pena de não se considerarem devidamente explicadas, mesmo que o responsável tenha afirmado que compreendeu a mensagem.

Ao mesmo tempo, Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como os modelos sugeridos pelo CFMV (vide Resolução nº. 1.321, de 24 de abril de 2020) assinados pelo responsável, são importantes para uma relação contratual sadia, desde que minuciosamente esclarecedora quanto aos procedimentos a serem praticados. O jargão técnico só deve ser utilizado com aqueles que são da mesma área técnica; portanto, as pessoas leigas deverão ser esclarecidas em termos que possam compreender perfeitamente. Palavras como eutanásia, êmese, osteossarcoma, soltas numa frase, podem não fazer sentido algum para quem as ouve, se não as conhecer. Imaginem o grau de insatisfação que mal-entendidos dessa natureza podem gerar; por exemplo, um cidadão pode desejar uma revanche por ter permitido ou deixado de permitir algo que, infelizmente, não entendeu.

Ao se detectar conflito de qualquer natureza, aconselha-se tentar resolvê-lo quanto antes, não dando margem para que o descontentamento seja expressado mundo afora. Como bem disse um médico-veterinário do ramo clínico: o que os médicos-veterinários mais temem hoje em dia é seu “cancelamento” pelo tribunal das mídias sociais… É importante ressaltar também que a pessoa mais indicada para chamar para si a responsabilidade de conversar deve ser aquela que consiga explicar devidamente o ocorrido e/ou cumprir o combinado; não se delega a funcionários não envolvidos diretamente a tarefa de discutir questões relevantes sobre suspeitas de erros de atendimento, por exemplo, pois isso só frustra ainda mais aquele que contratou um serviço veterinário.

Mas e quando as partes envolvidas estão com dificuldade de resolver seus dilemas? Quando não há clima para sentar lado a lado e conversar francamente olho no olho? Existe, sim, a possibilidade de procurar a ajuda de terceiros da esfera pública ou da iniciativa privada. Os Tribunais de Justiça dos diferentes estados brasileiros disponibilizam Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) para que os cidadãos possam resolver seus conflitos com o auxílio de conciliadores ou mediadores devidamente capacitados, de acordo com a Resolução nº. 125, de 29 de novembro de 2010, e a Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015. Além de questões envolvendo o Código de Defesa do Consumidor (lembrando que o médico-veterinário clínico é também um prestador de serviços), o Cejusc também auxilia em conflitos de família, conflitos em ambientes de trabalho, vizinhança, etc.; e, dependendo da situação concreta, esse auxílio pode se aplicar até mesmo em casos de relações empresariais ou mesmo institucionais. Caso haja consenso no acordo decidido entre as partes envolvidas, o documento será homologado por um juiz ou por um promotor de justiça, tornando-se assim um título executivo judicial ou extrajudicial (dependendo de como foi celebrado), que deve ser cumprido; afinal, como diz o ditado, “o combinado não sai caro”. Cabe esclarecer que a mediação/conciliação oferecida no Cejusc é gratuita ao cidadão.

Tais serviços também poderão ser oferecidos por câmaras privadas de mediação e conciliação, de maneira remunerada; mas, como qualquer cidadão maior de 18 anos pode fazer os cursos preparatórios para mediadores/conciliadores oferecidos por instituições credenciadas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os médicos-veterinários que queiram se aprimorar nos métodos alternativos de resolução de conflitos são muito bem-vindos. Para mais informações, acesse: Conciliação e Mediação – Portal CNJ no endereço https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao/.

Isso nos mostra quanto uma comunicação de qualidade pode ser benéfica não apenas para resolver conflitos, mas principalmente para evitá-los.

E então? Vamos pensar em nos comunicar melhor?