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Primeira Oficina de Trabalho para o Enfrentamento da Esporotricose no Estado do Paraná

Experiência pode ser aproveitada em outras regiões do país


Introdução

O Brasil vive uma hiperendemia zoonótica de esporotricose causada pelo patógeno Sporothrix brasiliensis, altamente virulento, que provoca infecções graves e vem sendo considerada uma doença fúngica negligenciada e subnotificada 1. A esporotricose humana tornou-se evidente no Brasil em 1998, após uma epidemia no Rio de Janeiro, com cerca de 5mil casos no período de 1997 a 2011 e 5.113 casos de esporotricose felina registrados entre 1998 e 2018 2.

A doença acomete a saúde e o bem-estar tanto de animais de vida livre como de animais com tutores. Os animais apresentam feridas ulcerativas, que podem acometer o aparelho respiratório e outros órgãos, causando dor e impossibilitando a realização de comportamentos espécie/específicos como alimentar-se e lamber-se, dentre outros. Na grande maioria dos casos, o tratamento da doença é de difícil realização. O risco de abandono aumenta em animais acometidos pela doença, que avança com lentidão. Além disso, a presença de um animal infectado aumenta as chances de contaminação de outros animais, do ambiente e dos seres humanos. Até 2021, os animais de vida livre infectados eram submetidos a eutanásia pelo poder público municipal, atividade que foi interrompida após promulgação da Lei Federal no. 14.064/2020 3, que proibiu a eliminação de cães e gatos pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimento oficiais congêneres. Há necessidade de integrar a legislação vigente às ações em andamento sobre a esporotricose.

Com medo de gerar abandono dos animais, a sociedade não está sendo devidamente informada sobre a doença, e muitos médicos-veterinários clínicos não estão capacitados para fornecer um diagnóstico rápido e o tratamento imediato dos animais, com protocolos corretos. A liberação da medicação de eleição para tratamento, o itraconazol, existente na rede pública de saúde, sofre entraves burocráticos, e, quando liberada para o tratamento dos animais, não há acesso geográfico facilitado para os tutores, principalmente para os socialmente vulneráveis. Enquanto isso, os casos notificados em seres humanos e animais continuam aumentando, mas não há políticas públicas efetivas para o enfrentamento. A morosidade do poder público na tomada de decisões impacta todo o enfrentamento da doença, que se alastra na população de vida livre e semidomiciliada felina.

A Resolução Sesa 093/2022 4, que define a esporotricose humana e animal como doença de interesse estadual e de notificação compulsória nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território estadual, foi um primeiro passo para a obtenção de dados, com vistas a subsidiar as medidas de fortalecimento da vigilância epidemiológica, com busca ativa dos casos, diagnóstico e tratamento oportuno, de forma a impedir que a doença se agrave nos seres humanos, bem como se alastre entre os felinos e para outras espécies de animais. Nessa perspectiva, a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná vem intensificando esforços mediante a iniciativa de também fornecer o medicamento para os animais acometidos da doença. No entanto, para a prevenção e o controle desse agravo, é fundamental a criação de uma Rede de Enfrentamento Estadual intersetorial e multidisciplinar.

A realização da Oficina de Trabalho para o Enfrentamento da Esporotricose Felina no estado do Paraná surgiu da demanda progressiva para o atendimento de felinos doentes de famílias em situação de vulnerabilidade social pelo Centro de Medicina Veterinária do Coletivo da Universidade Federal do Paraná (CMVC/UFPR). Diante dessa demanda, foi implantado o Centro Especializado em Atendimento à Esporotricose Felina (CATe) no CMVC, tendo como parte integrante o Laboratório de Microbiologia do Setor de Ciências Agrárias da UFPR. Em reunião entre representantes do CATe, das Secretarias de Estado da Saúde (Sesa) e de Desenvolvimento Sustentável e Turismo (Sedest) do Paraná, e, posteriormente, do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná (CRMV-PR), a proposta de realização da oficina foi concretizada, com o objetivo de propor estratégias para o enfrentamento da esporotricose animal e humana no estado do Paraná, como parte de uma política pública estruturada sobre a estratégia de saúde única. A oficina contou com a participação de representantes de: Pontifícia Universidade Católica (PUC), Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente de Curitiba/MPPR, Fiocruz, Ministério da Saúde, prefeituras de Curitiba, Guaratuba, Morretes, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu e Guaratuba, Associação Nacional de Clínicos de Pequenos Animais do Paraná, Sindicato dos Médicos-Veterinários do Paraná, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários, Associação Nacional dos Médicos-Veterinários, Secretaria de Estado da Saúde do Paraná e Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Turismo do Paraná. A oficina foi realizada pelo Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo, pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná e pela Universidade Federal do Paraná.

 

A oficina

Foram convidados diferentes profissionais e setores, limitados a 31 pessoas, para a participação na oficina (Figura 1), de forma que todos os setores pudessem ser representados, em especial aqueles com alguma experiência no controle e na prevenção da doença. A oficina se realizou no dia 21 de novembro de 2022, em Curitiba, consistindo em uma parte expositiva, com apresentações de até 20 minutos, e outra participativa, com discussões em grupo e em plenária, dinâmicas para identificação de problemas e lacunas no enfrentamento da esporotricose.

 

Setor Participante Instituição Profissão e cargo na instituição
Privado,
universidade
Fabiana dos S. Monti PUCPR – PPGCA MV / docente
Marconi R. de Farias PUCPR – PPGCA MV / docente
Público,
estadual
Cristilla M. Polak Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente de Curitiba/MPPR Advogada / assessora de promotor
Público, estadual,
meio ambiente
Fernanda G. Braga Sedest Bióloga / coordenadora
Daniela P. Tozetto Sedest MV / assessora técnica
Público, estadual,
saúde
Michele Brugnerotto 2ª Regional de Saúde
Metropolitana – Sesa/PR
MV
Raquel C. Marra Secretaria da Saúde do
Paraná – Sesa/PR
Bióloga / coordenadora Programa de Esporotricose (DVVZI/Sesa)
Roselane O. S. Langer Secretaria da Saúde do
Paraná – Sesa/PR
MV / chefe da Divisão de Zoonoses e Intoxicações (DVVZI/Sesa)
Thaila F. Corona Laboratório Central do Paraná MV / Lacen (Sesa)
Público, estadual,
CRMV
Leonardo Nápoli CRMV-PR Secretário-geral e presidente da Comissão de Desastres
Marúcia de A. Cruz CRMV-PR MV / presidente da Comissão de Bem-estar Animal
Raimundo A. Tostes CRMV-PR MV / presidente da Comissão de Medicina Veterinária Legal
Público, federal,
saúde
Paulo Abilio Fiocruz MV
Vivyanne S. Magalhães Ministério da Saúde –
Grupo Técnico de Saúde Única
MV / Ministério da Saúde
Público, federal,
universidade
Cybelle de Souza UFPR/CMVC MV / docente, coordenadora
Gustavo A. de Almeida UFPR Médico / docente
Jean Moller UFPR/CMVC e Unifael Assistente social / docente
Rita de C. M. Garcia UFPR/CMVC MV / docente, coordenadora
Silvia C. Osaki UFPR e CRMV-PR MV / docente, Comissão de
Saúde Única
Vicente de P. Ataide Jr UFPR / Zoopolis MV / docente, coordenador
Público, municipal,
meio ambiente
Edson Evaristo Depto. Pesquisa e Conservação da Fauna / SMMA Curitiba Zootecnista / diretor
Público,
municipal, saúde
Aaronson R. Freitas Secretaria Municipal de Saúde / Morretes, PR MV / secretário de Saúde
Hermínio de P. Molinari Prefeitura Municipal de Guaratuba MV / técnico
Carlos E. de Santi Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu / CCZ MV / programa de esporotricose
Leandro M. Inglês Coordenação de Controle de Zoonoses – Ponta Grossa MV / técnico
Tatianna P. Hartin UVZ Curitiba MV / técnica
Terceiro setor Adolfo Y. Sasaki Anclivepa-PR MV / presidente
Andreia de P. Vieira Sindivet-PR MV / diretora
Haiuly V. G. Oliveira Fórum Nacional de Proteção Animal MV / gerente da frente legislativa
Roberto L. Lange ABHV / ANMV MV / presidente
Rosangela R. Gebara IMVC MV / diretora

Figura 1 – Participantes da oficina de trabalho: enfrentamento da esporotricose no estado do Paraná, em novembro de 2022

 

Programa da oficina

A abertura e os objetivos da oficina foram apresentados pela profa. Rita de Cassia Maria Garcia (UFPR e IMVC) e pelo dr. Leonardo Napoli (CRMV-PR), seguidos por uma dinâmica para identificação das dificuldades e lacunas no enfrentamento da esporotricose felina nas áreas normativas e de legislação, dos atores sociais, dos animais de vida livre, dos animais com tutores, do diagnóstico e tratamento e da pesquisa.

 

Foram apresentados os seguintes temas:

• “Sporothrix brasiliensis e esporotricose em gatos e em cães”.

• “Esporotricose zoonótica” (ambos pelo prof. dr. Marconi Rodrigues de Farias, PUC-PR).

• “Epizootia da esporotricose felina em Curitiba”, pela dra. Tatianna Paula Hartin, UVZ Curitiba.

• “Situação no Brasil e ações do Ministério da Saúde”, pela dra. Vivyanne Santiago Magalhães, do CGZV/DEDT/SVSA/MS.

• “Situação no Paraná e ações da Sesa”, pela dra. Raquel Cristina Marra, responsável técnica pelo programa.

• “Diagnóstico da esporotricose animal”, pelos profs. drs. Kung Darh Chi e Marconi Rodrigues de Farias, da PUC-PR.

• “Tratamento felino”, pela profa. Fabiana Monti, da PUC-PR.

 

Após as palestras, foram discutidas as dificuldades para o enfrentamento da esporotricose felina e preparados os grupos de trabalho.

No período da tarde ocorreram as palestras:

• “Manejo populacional de felinos como ferramenta para o controle da esporotricose”, pela médica-veterinária Rosangela Gebara, do IMVC.

• “Legislação e direito animal”, pelo prof. dr. Vicente Ataide, da UFPR.

• “Estratégias de enfrentamento à esporotricose no âmbito da Saúde Única – a experiência do Programa de Saúde Única da ICTB/Fiocruz”, por Paulo Abilio Varella Lisboa, da Fiocruz.

• “Multidisciplinaridade com o serviço social”, pelo assistente social Jean Moller, da Unicentro, do CMVC, do CATe da UFPR.

 

Após sessão de perguntas e respostas, foi aberta discussão nos grupos para a redação das propostas de política ideal para a realidade atual a partir do questionamento: “Qual a política recomendada para o enfrentamento da esporotricose no estado do Paraná?”.

Ao final, todas as propostas foram discutidas por todos os grupos.

 

Metodologia aplicada

Na primeira dinâmica, após a apresentação dos integrantes e discussão em grupos aleatórios, os participantes identificaram lacunas e desafios para o enfrentamento da esporotricose felina, com enfoque em seis áreas:

• desafios para o controle da esporotricose em gatos de vida livre;

• animais com tutor e com acesso à rua (gatos semidomiciliados);

• atores sociais que devem ser envolvidos no enfrentamento;

• legislações e normatizações;

• diagnóstico e tratamento;

• pesquisas.

Foram disponibilizados seis flip-charts, cada um com um tema. Durante a discussão em grupo, cada problema identificado foi escrito em um post-it e colado no flip-chart do respectivo tema (Figura 2).

 

Figura 2 – Apresentação dos participantes e identificação de lacunas e desafios para o enfrentamento da doença

 

Em uma segunda dinâmica, os participantes escolheram entre cinco grupos para identificar as melhores estratégias para estabelecimento de uma política pública para o enfrentamento da doença. Cada grupo tinha uma relação de perguntas norteadoras para estimular a discussão (Figura 3). Inicialmente os grupos discutiram qual seria o programa ideal e, em seguida, quais seriam as estratégias que poderiam ser implantadas.

­

Grupo 1: Ética e legislação, medicina veterinária legal 1. Que critérios (fisiológicos e comportamentais) devem ser analisados de forma isenta e científica para decidir acerca da eutanásia?
2. Quem deve custear o tratamento de animais sem tutores ou responsáveis (animais em situação de rua, comunitários, albergados nas UVZs, etc.)?
3. Como deve ser feita a parceria com ONGs e protetores no cuidado desses animais, e que responsabilidades e cuidados legais devem ser tomados?
4. Quais os amparos éticos e legais necessários para decidir sobre tratamento ou eutanásia de animais acometidos? Quem decide? Quem é responsável?
5. Nos casos de decisão pela eutanásia, que documentos dão respaldo jurídico às UVZs, dado que a esporotricose não é considerada uma doença incurável? (Lei nº. 14228/2021)
6. Após o tratamento, há obrigação de encaminhar o animal para castração?
7. Os tutores que não aderirem ao tratamento devem ser encaminhados obrigatoriamente à Secretaria do Meio Ambiente para verificação de práticas de maus-tratos?
Grupo 2: Animais com tutor – domiciliados e semidomiciliados 1. Considerando o potencial zoonótico, é possível distribuir medicamentos via SUS? Em caso positivo, a distribuição deve seguir o princípio da universalidade, sem haver distinção entre os cidadãos?
2. Caso a distribuição seja feita pelos órgãos públicos, como assegurar a destinação adequada?
3. Nos casos de distribuição feita pelos órgãos públicos, padronizar o acompanhamento e os requisitos mínimos a serem seguidos pelos órgãos municipais para comprovação da distribuição adequada.
4. Receitas médico-veterinárias de clínicas particulares serão aceitas para distribuição gratuita? Verificar Decreto
nº. 7.508, de 28 de junho de 2011, Art. 28, Item II, § 2, que permite regras especiais.
5. Recomendar a microchipagem em animal suspeito ou confirmado para possibilitar acompanhamento nos casos
de abandono do animal?
6. Nos casos de falta de resposta ao tratamento e recidivas.
Grupo 3: Animais de vida livre e ambientes em desequilíbrio 1. A quem compete o tratamento de animais sem tutores? Saúde? Meio Ambiente?
2. Onde deve ser feita a manutenção desses animais sem tutores, considerando-se que a maioria dos municípios não tem estrutura física que possa abrigá-los, nem mesmo realizar a consulta?
3. Como tratar os animais em vida livre? É possível tratá-los no próprio local em que vivem?
4. Como manejar a população de animais em vida livre para impedir sua procriação e a disseminação da doença?
5. Como estimar a população de felinos em vida livre e conhecer a prevalência da esporotricose nessa população?
6. Como avaliar a contaminação ambiental?
Grupo 4: Recursos e orçamentos 1. Compra de medicamentos via SUS, município ou estado?
2. A contratação de laboratório veterinário privado para diagnóstico pode ser realizada com recurso via SUS? Como? E a Secretaria do Meio Ambiente?
3. Quem paga a conta da manutenção de animal em tratamento em local particular? Se o tratamento for feito via SUS, como justificá-lo? E a Secretaria do Meio Ambiente? Qual seria a estrutura mínima do local, considerando o
potencial de disseminação?
4. Qual o papel da Secretaria do Meio Ambiente no fornecimento de recursos, considerando o potencial de essa doença causar maus-tratos aos animais?
5. Em municípios que não dispõem de médico-veterinário, como realizar o diagnóstico?
Grupo 5: Esporotricose laboral (médicos-veterinários como grupo de risco e auxiliares: protocolos de biossegurança para atendimento, internamento, tratamento; castração (preparo, trans-cirúrgico, pós-cirúrgico);
biossegurança do tutor/proprietário/pessoa que vai medicar o animal; protocolos de encaminhamentos de
casos humanos)

1. Orientar os locais que realizam atendimento dos casos de acidente de trabalho.
2. Quais são as orientações para o caso de arranhaduras ou mordidas durante o atendimento? E a proteção para
animais com esporotricose nasal com espirros frequentes?

3. Que protocolos devem ser determinados para a biossegurança durante o atendimento de animal infectado, internamento, castração?
4. Quais protocolos implantar para biossegurança durante castração de animais com esporotricose?

Figura 3 – Temas dos grupos e perguntas norteadoras

 

Resultados

Dificuldades ou lacunas identificadas para o enfrentamento da esporotricose felina no estado do Paraná em cada tema durante as discussões nos grupos

Tema 1: Desafios para o controle da esporotricose em gatos de vida livre

Necessidades:

• orientações de órgãos públicos estaduais e municipais, conselhos regionais de medicina veterinária, e entidades de classe sobre estratégias direcionadas a gatos de vida livre positivos, incluindo áreas de proteção ambiental e ilhas;

• levantamento epidemiológico da doença em gatos de vida livre (estimativa populacional e prevalência da doença);

• implantação de estratégias para o controle de gatos de vida livre;

• protocolos e capacitação para a captura de gatos de vida livre (programas de manejo populacional felino); 

• protocolos para a implantação de programas de captura, esterilização e devolução (CED) ao local de origem, que inclua identificação permanente (por microchipagem) e externa (corte, sob anestesia, da ponta da orelha direita para fêmeas e da esquerda para machos);

• orientações sobre a doença, sua evolução e prognóstico para os animais de vida livre;

• orientações sobre o tratamento de animais de vida livre, mantendo-os no local onde vivem (para municípios que não dispõem de estrutura para tratá-los em isolamento);

• orientações sobre que parâmetros devem nortear a decisão da eutanásia do animal de vida livre doente;

• animais capturados para tratamento: protocolos sobre isolamento/estrutura física do local, tratamento e monitoramento pós-tratamento;

• centros públicos de tratamento para animais de vida livre com esporotricose;

• orientações sobre a destinação das carcaças;

• orientações para protetores e ONGs de proteção animal, além de outras instituições que realizam doação de animais, sobre o tratamento e o acompanhamento pós-cura de animais adotados;

• realizar planilhas de custos com as estratégias a serem desenvolvidas: captura/isolamento para tratamento; CED e tratamento no local; 

• padronização com respaldo legal e técnico para casos de eutanásia;

• orientações sobre como trabalhar em comunidades com vulnerabilidades sociais: como realizar educação em saúde para proteger pessoas e animais?

 

Tema 2: Animais com tutor e com acesso à rua (semidomiciliados)

Necessidades:

• educação, informação, comunicação em saúde para a sociedade e em especial para os tutores:

 •• conscientização da importância da guarda responsável e restrição de movimentos dos animais;

 •• leis e normativas para a responsabilização dos tutores nos cuidados com os seus animais;

 •• divulgação sobre a prevenção e o controle da doença;

• protocolos para o acompanhamento durante todo o tratamento;

• protocolos para o monitoramento pós-tratamento; 

• registro e identificação permanente (microchip) e visual (externa: coleira e plaqueta); 

• controle reprodutivo em massa;

• atenção psicossocial às pessoas com transtorno de acumulação de animais;

• apoio às ações de protetores independentes que resgatam animais abandonados;

• assistência social básica aos tutores em situação de vulnerabilidade social. 

 

Tema 3: Atores sociais que devem ser envolvidos no enfrentamento

Necessidades:

• integração das vigilâncias em saúde da esporotricose humana e animal;

• envolvimento da Estratégia Saúde da Família (Agentes Comunitários de Saúde – ACS) nos territórios em que houver;

• desenvolvimento de todas as estratégias necessárias para o controle da doença, que passa pelo manejo populacional animal e inclui a guarda responsável;

• construção da rede sócio-assistencial para trabalhar esse tema e outros que necessitem de um olhar holístico e estratégias de saúde única;

• transdisciplinaridade e atuação com base na estratégia de saúde única;

• Secretarias Municipais das áreas da Saúde, Meio Ambiente e Assistência Social, em especial das Unidades de Vigilância em Zoonoses (UVZs) ou similares, quando houver, e de agentes de saúde, assistência social e setores públicos de proteção animal, instituições de ensino superior, hospitais públicos, Secretarias de Estado da Saúde municipais e estadual; 

• médicos-veterinários ativos no enfrentamento da doença;

• educação em saúde que inclua a guarda responsável, em escolas e UBSs, durante castração, consultas, etc.;

• capacitação de profissionais, definição da responsabilidade pelo tratamento dos animais doentes; integração da saúde e do ambiente para custeio do tratamento;

• sociedade mais bem-informada e direcionada sobre o modo de agir;

• envolvimento do Meio Ambiente e da Saúde (setores responsáveis pelo controle de zoonoses);

• criação de uma Rede Estadual de Enfrentamento da Esporotricose no estado;

• sensibilização e capacitação contínua de clínicos médicos-veterinários e responsáveis técnicos de estabelecimentos médico-veterinários, Unidades de Vigilância em Zoonoses (UVZs), atenção primária e regionais de saúde para auxílio na educação em saúde da sociedade, no diagnóstico e no início do tratamento oportuno para felinos com tutores;

• parcerias com ONGs e protetores no cuidado desses animais, determinando responsabilidades.

 

Tema 4: Legislações e normatizações

Necessidades:

• levantamentos censitários ou estimativas das populações de cães e gatos; 

• políticas públicas para o manejo populacional animal e que incluam as especificidades para o controle da esporotricose felina;

• conscientização do poder público municipal, estadual e nacional sobre a necessidade de normatizações para a prevenção e o controle da doença, com maior participação desses órgãos no encontro de soluções;

• eutanásia:

 •• entendimento da legislação sobre a eutanásia de animais contaminados para que os médicos-veterinários estejam amparados por ela;

 •• clareza para os casos de eutanásia (quadros avançados, não responsivos aos tratamentos ou de animais em grande sofrimento e com prognósticos reservados);

 •• que critérios (clínicos, fisiológicos e comportamentais) devem ser analisados de forma isenta e científica para decidir acerca da eutanásia?

 •• nos casos de decisão pela eutanásia, que documentos dão respaldo jurídico às UVZs, levando em conta que a esporotricose não é considerada uma doença incurável? (Lei nº. 14.228/2021);

• como responsabilizar os tutores de animais positivos?

• conscientização da classe médico-veterinária sobre a notificação obrigatória, bem como de outros profissionais que trabalham direta ou indiretamente com gatos (protetores, por exemplo);

• custeio público das ações necessárias para o manejo populacional de gatos e tratamento dos doentes, com ou sem tutores;

• tutores:

 •• tutores com animais positivos devem ser monitorados, e os que não aderirem ao tratamento e às recomendações sobre manutenção dos animais domiciliados com restrição dos seus movimentos podem ser punidos por maus-tratos?

 •• normativas para a responsabilização dos tutores; 

 •• microchipagem em massa para responsabilização dos tutores pela restrição de movimentos e cuidados necessários;

• utilização dos recursos do SUS para o tratamento dos animais positivos com tutores/responsáveis visando a saúde única;

• criar uma comissão multiprofissional e multissetorial para determinar critérios para a decisão sobre a eutanásia de animais de vida livre positivos;

• criar uma comissão estadual para discutir e estruturar critérios para gatos presentes em Unidades de Conservação; 

• previsão orçamentária para o manejo populacional de gatos e o tratamento da esporotricose: levar a proposta para conferências municipais de saúde;

• municípios que não têm médico-veterinário: contar com o apoio da rede privada médico-veterinária? Consórcio entre municípios? Intervenção do governo estadual? Parcerias com universidades?  

• publicação da Nota Técnica pelas secretarias estaduais de saúde com orientações;

• divulgação e cumprimento da notificação obrigatória da doença;

• reconhecimento da prática CED pelos diferentes setores e níveis (municipal, estadual e nacional) como ferramenta fundamental para o controle da esporotricose animal e a aplicação da estratégia de saúde única;

• orientações sobre prevenção da doença (comunicação em momentos de crise; normativas);

• orientações sobre a destinação dos animais afetados;

• orientações sobre captura, esterilização, devolução (CED) e outras estratégias para o controle populacional de gatos e da doença;

• normas sobre a destinação dos cadáveres contaminados;

• normas para delimitar o papel regulador dos municípios;

• recursos humanos integrados;

• integração entre Saúde e Meio Ambiente para discussão e definição sobre a responsabilização pelo tratamento dos animais com tutor e de vida livre.

 

Tema 5: Diagnóstico e tratamento

Necessidades: 

• diagnóstico:

 •• diagnóstico laboratorial correto;  

 •• médicos-veterinários preparados para realizar diagnóstico rápido; orientação e capacitação desses profissionais para a realização do exame citológico;

 •• capacitação de auxiliares e demais profissionais envolvidos para a identificação de animais suspeitos nas diversas instituições públicas, privadas e de terceiro setor para encaminhamento ao atendimento médico-veterinário;

 •• capacitação de auxiliares e demais profissionais das diversas instituições públicas, privadas e de terceiro setor para o suporte ao atendimento clínico e o apoio ao monitoramento dos pacientes;

 •• como auxiliar os municípios que não dispõem de recursos humanos e materiais para realizar o diagnóstico rápido?

 •• incluir os testes de FIV e Felv em todos os gatos positivos para a esporotricose, para melhor compreensão e tratamento dos casos; 

 •• identificar laboratórios que podem ser referência no diagnóstico;

• tratamento:

 •• médicos-veterinários preparados para realizar o melhor tratamento diante de cada caso, bem como as suas associações;

 •• protocolos para o acompanhamento da evolução do tratamento;

 •• protocolos para reconhecer quando o tratamento não tem sucesso;

 •• importância do tratamento analgésico; 

 •• protocolos de tratamento nos casos não responsivos ou de recidiva;

 •• fornecimento gratuito de itraconazol em cápsulas, em concentração apropriada para o tratamento de felinos, sejam oriundos do SUS ou de compra pelo poder público com outras fontes de recursos; 

 •• orientar no sentido de que o fornecimento do medicamento gratuito tenha o acesso geográfico facilitado aos tutores de acordo com a gestão de cada município;

 •• aceitar receitas médico-veterinárias de clínicas particulares para entrega da medicação de forma gratuita;

 •• quais os limites aceitáveis para reconhecer que o tratamento não está tendo sucesso?

 

Tema 6: Pesquisa

Necessidade de pesquisas nas seguintes áreas:

• distribuição e prevalência no Brasil;

• inclusão da estratégia de saúde única em pesquisas sobre a problemática das fontes ambientais do Sporothrix brasiliensis e vias de transmissão;

• testes sorológicos para animais sem lesão;

• diagnóstico em cães;

• tratamento:

 •• como controlar os gatos refratários aos tratamentos preconizados?

 •• novas drogas para casos refratários; 

 •• alternativas de tratamento para gatos refratários e com comorbidades;

• recursos para monitorar cepas isoladas;

• estudos em roedores para identificar o seu papel no ciclo da doença: fontes de infecção?

• diagnóstico ambulatorial molecular a partir do exsudato. 

 

Dificuldades ou lacunas identificadas para o enfrentamento da esporotricose felina durante as discussões em plenária

• O gato como espécie muito vulnerável: 

 •• grande contato com o solo ao enterrar os excrementos, que facilita a contaminação de feridas;

 •• afiar as garras em árvores e troncos pode favorecer o implante do fungo por meio de microlesões; 

 •• a doença é transmitida de gato para gato, de gato para cão e para seres humanos; 

 •• transmite a doença por mordedura, arranhadura e espirros com secreção contaminada;

 •• perfil dos gatos acometidos e atendidos na PUC/PR: maioria de machos semidomiciliados, não castrados e adultos jovens (média de 3 anos);

 •• gatos de vida livre necessitam de programa específico para o manejo populacional, visando a diminuição das taxas de natalidade e a alteração do comportamento de deambulação, territorial e sexual;

• questões socioambientais: 

 •• a maioria dos proprietários contaminados pegou a doença dos seus gatos acometidos e morava, geralmente, em bairros mais periféricos, sendo uma população de menor renda e com mais de um gato;

• roedores: qual o seu papel no ciclo de transmissão da esporotricose e na manutenção dela no ambiente?

• municípios com casos humanos e sem notificação em animais;

• dificuldades com a Vigilância em Zoonoses em regionais do estado que não dispõem de UVZ e em municípios muito pequenos;

• a sorologia pode auxiliar no acompanhamento da esporotricose e para determinar quando a terapia deve ser suspensa?

• a sorologia pode ser usada quando o exame citológico e a cultura forem negativos;

• o itraconazol não pode ser associado a substâncias que diminuem a liberação de ácido clorídrico.

 

Informações sobre a importância da castração dos gatos

• Os gatos se reproduzem 45 vezes mais que os seres humanos;

• 90% dos gatos machos diminuem o comportamento de brigas com outros machos após a castração, sendo 60% de forma imediata; e a castração também diminui a interação violenta entre machos e fêmeas, por não haver mais a cópula, e em outras interações entre animais castrados;

• os gatos podem andar de 4 a 5 km em uma única noite; a castração diminui a deambulação e, consequentemente, a expansão da esporotricose para outros territórios e outras espécies animais; mais de 90% dos gatos diminuíram a deambulação, 60% de forma imediata, após a castração; e ela também diminui a saída para a rua em gatos domiciliados;

• os gatos ficam menos ativos e apresentam menos o comportamento agonístico da agressão;

• a castração de gatos domiciliados e de vida livre é comprovadamente uma das mais importantes ferramentas para o controle da esporotricose.

 

Informação importante sobre leis e normas

De acordo com a Portaria nº, 3.925 de 1998, a responsabilidade pela saúde publica é uma tarefa compartilhada entre o governo federal e os governos estaduais e municipais, com a importante participação da sociedade, por intermédio dos Conselhos de Saúde. O empenho de todos deverá garantir o acesso dos cidadãos brasileiros a serviços de saúde eficientes e de boa qualidade, que englobem também ações sanitárias na população animal, no caso das zoonoses. 

 

Propostas apresentadas pelos diferentes grupos para o enfrentamento da esporotricose felina 

Grupo 1: Ética e legislação, medicina veterinária legal

• Necessidade urgente de uma legislação estadual (talvez reforçada por municipal) que preconize o controle populacional, a guarda responsável e o registro e identificação de cães e gatos, aprofundando a Lei no. 13.426/2017, que dispõe sobre a política de controle de natalidade de cães e gatos;

• negociar junto aos órgãos competentes a criação de um Código de Saúde Animal que estabeleça esferas de atenção e fiscalização para impedir a expansão de zoonoses; 

• elaborar Nota Técnica da Secretaria Estadual de Saúde de forma a contemplar a distribuição gratuita do medicamento itraconazol, disponível na Rede Nacional de Medicamentos (Rename) para o tratamento de animais (a proposta já está em andamento);

• após a publicação da Nota Técnica da Sesa, elaborar um protocolo de atuação sistêmica em rede no combate à esporotricose;

• em relação à possibilidade de eutanásia, sugere-se a seguinte proposta:

a decisão da eutanásia, nos termos do Art.3º da Resolução CFMV 1000/2012, deve ser subsidiada pela avaliação clínica do médico-veterinário (Art.5º), acompanhada de diagnóstico laboratorial, levando em consideração a história clínica do caso, o sofrimento animal e o estadiamento da doença, bem como o prognóstico relativo às condições de refratariedade aos tratamentos disponíveis.

 

Grupo 2: Animais com tutor

• Notificação imediata para a vigilância de saúde municipal a partir da suspeita;

• comunicação e informação sobre a doença: prevenção e controle; manejo e biosseguridade. A comunicação deve ser estruturada de forma a prevenir o abandono dos animais;

• criar centros médico-veterinários sociais para o atendimento e tratamento dos animais, com médico-veterinário e assistente social; avaliar a condição socioeconômica do tutor para determinar o suporte necessário para que o animal seja tratado e não seja abandonado; ofertar a medicação gratuita, bem como o acompanhamento e monitoramento mensal;

• no caso de tutores em vulnerabilidade social, doar sachês (alimento úmido para gatos) para a administração da medicação (meio sachê ao dia com a medicação); a oferta de alimentos úmidos diminui a chance de contato entre tutor e animal, reduzindo o risco inerente da contenção durante a administração da cápsula sem alimento;

• atendimento público gratuito para gatos com lesões de pele sugestivas de esporotricose e outros sinais indicativos da doença (como inchaços, secreções, ruídos nasais, etc.). Os locais devem ser acessíveis geograficamente. Em territórios que não dispõem de atendimento médico-veterinário público, o tutor deverá procurar atendimento privado;  

 •• no primeiro atendimento, todos os animais com lesões de pele características de esporotricose devem passar por exame citológico. O exame citopatológico do exsudato de lesões de pele geralmente revela numerosas células semelhantes a leveduras, que podem ser ovais, arredondadas ou em forma de charuto, com diâmetro de 3 a 5μm e comprimento de 5 a 9μm. Essas estruturas podem estar localizadas dentro de macrófagos, neutrófilos e células gigantes multinucleadas ou livres, sendo circundadas por um halo transparente, e podem ser semelhantes às observadas no gênero Histoplasma ou Cryptococcus. Os métodos de coloração usados rotineiramente em exames citopatológicos para o diagnóstico de esporotricose são do tipo Romanowsky (método Panóptico Rápido) e/ou Giemsa. A lâmina do imprint deve ser corada e analisada por microscopia de luz usando pelo menos lente objetiva de 40x e idealmente lente objetiva de 100x, para observação e identificação precisas de estruturas semelhantes a leveduras sugestivas de Sporothrix spp;

 •• caso o exame citológico seja negativo, enquanto se aguardam outros testes confirmatórios, como cultura, PCR ou sorologia, avaliar se há histórico e lesões compatíveis com esporotricose; se houver indícios de esporotricose, o tratamento deve ser iniciado imediatamente e continuado no caso de os resultados dos outros exames serem positivos. O Sporothrix spp é um fungo de crescimento lento e demora em média 30 dias para crescer no exame de cultura micológica e ter um diagnóstico positivo;

• registro e identificação dos animais atendidos;

• diagnóstico em tempo oportuno por meio de exame citológico ou outro que atendam aos critérios para o diagnóstico de esporotricose;

• tratamento: seguir protocolos preconizados;

• fornecimento gratuito de itraconazol, distribuído pelas Vigilâncias em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, facilitando o acesso da população e o tratamento dos animais (distribuição descentralizada do medicamento);

• os medicamentos devem ser entregues mediante receita de médico-veterinário do setor público ou privado, notificação do caso e cópia do RG ou CPF do tutor/responsável; 

• identificar os diferentes tipos de tutores para determinar as abordagens educativas: cuidadoso, negligente, com comorbidades; 

• o proprietário deve assinar termo de adesão ao tratamento;

• ter acompanhamento da equipe: 

 •• quando possível, ligar semanalmente e responder às dúvidas do tutor (educação à distância: o contato semanal como processo educativo e de monitoramento do tratamento garante a adesão do tutor ao tratamento); 

 •• comunicar os casos positivos para a Vigilância em Saúde do município e a UBS do domicílio; 

• territorialização dos casos de esporotricose felina, com capacitação de agentes comunitários para atuar no monitoramento do tratamento do animal e identificar pessoas da área com a doença; identificar outros animais de famílias que fazem parte da Estratégia Saúde da Família (ESF) e comunicar aos órgãos responsáveis pelo diagnóstico animal;  

• acompanhamento e avaliação mensal do tratamento por médico-veterinário (agendamento de retornos mensais e envolvimento dos agentes comunitários de saúde e agentes de endemias no monitoramento do tratamento);

• a busca ativa dos casos que não retornarem para o monitoramento médico-veterinário (poder público municipal em parceria com demais atores sociais e setores envolvidos) é sugerida na gestão municipal;

• casos refratários: durante o acompanhamento médico-veterinário, determinar terapias complementares e novos exames; avaliar o quadro clínico, o sofrimento do animal e a refratariedade ao tratamento para decidir o destino quanto à eutanásia;

• castração dos animais para diminuir as fugas: castrar o animal de imediato se a lesão for cutânea fixa; se for disseminada, aguardar ou deixar para julgamento do profissional envolvido no atendimento e na castração.

• restrição de movimentos do animal para impedir que saia para a rua e contamine outros animais ou, no caso de sadios, para que não sejam contaminados;

 •• orientar quanto à colocação de telas na casa ou alternativas que impeçam a saída dos animais como, por exemplo, garrafas pets nos muros;

 •• ou determinar um local para manter o animal restrito, considerando os aspectos ambientais (conforto e de proteção), sanitários (limpeza, manutenção da saúde, identificação de sinais clínicos de piora do caso), nutricionais (boa alimentação) e comportamentais, para a manutenção de bons níveis de bem-estar.

 

Grupo 3: Animais de vida livre e/ou em ambientes em desequilíbrio

• Realizar o diagnóstico situacional, estimando o número de animais na colônia que apresentem lesões de pele; 

• realizar o diagnóstico socioambiental, identificando as lideranças e questões do território;

• comunicação: envolver o meio ambiente e a assistência social, criando equipes multi/transdisciplinares para contatar a população e sensibilizá-la através de conteúdos adaptados e com uso de linguagem própria e acessível; 

• contatar líderes comunitários, realizar reuniões e informar e sensibilizar sobre a doença e ações possíveis para o controle e a prevenção;

• criar uma rede de apoio com os líderes comunitários, protetores e médicos-veterinários;

• criar parcerias com estabelecimentos médico-veterinários particulares para sensibilizar e conscientizar a população e ampliar o atendimento clínico e a notificação para a Vigilância em Saúde municipal, o diagnóstico e as vagas de internação para pacientes animais graves; 

• realizar a captura, esterilização, microchipagem e corte de orelha esquerda para identificação externa, diagnóstico e devolução ao ambiente; 

 •• sugere-se criar matriz de decisão para devolução dos animais contaminados no ambiente;

 •• caso a colônia tenha animais positivos para a doença e não seja possível o seu tratamento individual (internamento/isolamento nos órgãos públicos, clínicas/hospitais, privados ou do terceiro setor), sugere-se o tratamento populacional, ofertando o itraconazol diariamente em sachês, de forma individual, para toda a população; 

• fazer o monitoramento da colônia e dos animais positivos, utilizando recursos como fotos, vídeos e a rede de apoio; 

• Sugere-se que a rede de apoio seja mobilizada para auxiliar na alimentação diária com a medicação e a identificação de animais em sofrimento.

 

Grupo 4: Logística, fluxos e recursos necessários 

Diagnóstico:

• os casos deverão ser notificados compulsoriamente à Secretaria Municipal de Saúde, já na suspeita, conforme Resolução Sesa nº. 093/2022.

• exame micológico direto: propor a descentralização para municípios com médico-veterinário;

• laboratório Lacen-PR: realiza exame micológico direto das amostras conforme já previsto em seu manual e de acordo com os seguintes critérios: primeiro caso de um território indene; em casos de dúvida diagnóstica; ou em 20% dos felinos doentes para monitoramento epidemiológico;

• sensibilização e capacitação dos clínicos e responsáveis técnicos dos estabelecimentos médico-veterinários (setor privado), com apoio do CRMV-PR, Sesa-PR e municípios, para que realizem a notificação, o diagnóstico rápido e o tratamento correto imediato (iniciado em fevereiro de 2023);

• sensibilização e capacitação da atenção básica de saúde para diagnóstico e tratamento humanos, com protocolo estabelecido. Quando o caso apresentar vínculo epidemiológico de fonte animal, o tutor será orientado a procurar o serviço veterinário municipal ou a Unidade de Vigilância de Zoonoses (UVZ), ou, na ausência desses serviços, médico-veterinário privado para diagnóstico e indicação para tratamento do animal;

• sugerir a realização da estimativa populacional de gatos com tutores, identificando a condição da restrição de movimentos (semidomiciliares ou domiciliares) e a presença ou não de lesões. Durante a coleta de dados, pode-se realizar a prevalência da esporotricose na população felina, coletando material para diagnóstico de animais que apresentarem lesões de pele;

• realizar a estimativa de animais de vida livre, identificando os que apresentam lesões de pele (por meio de fotos, vídeos e uso de drones); 

• instalar no município o programa de Captura, Esterilização, Diagnóstico e Devolução (CEDD) no mesmo local para o controle (manejo) da população felina e a determinação da prevalência da esporotricose nessas populações;

• diagnóstico de felinos com FIV e Felv como auxílio no tratamento e na determinação de prognóstico.

 

Tratamento de animais com tutores:

• analisar a possibilidade de dispensação de itraconazol via Sesa-PR, por meio das Secretarias Municipais de Saúde, além das UVZs, setores de controle de zoonoses e similares das Secretarias Municipais de Saúde, para facilitar o acesso dos tutores ou responsáveis pelos animais à medicação; entrega da medicação mediante receita de médico-veterinário, independentemente do setor (privado, público, terceiro setor);

• dispensação de fármacos para a realização de eutanásia de acordo com as normas do CFMV 5,6 para médicos-veterinários que se decidirem, com embasamento legal e critérios técnicos, pelo procedimento em relação a animais doentes com diagnóstico reservado, refratários ao tratamento ou em sofrimento; 

• doação de sachês para famílias em situação de vulnerabilidade social, a fim de facilitar o tratamento dos animais. Sugere-se a doação de 15 sachês ao mês e o uso de meio sachê ao dia com a medicação;

• castração de animais em tratamento: poderá ser feita, contanto que haja protocolos rígidos de biosseguridade durante o pré-cirúrgico, trans e pós-cirúrgico;

• o tutor ficará responsável por levar o animal ao médico-veterinário público ou privado para monitoramento durante o tratamento. A Secretaria Municipal de Saúde, de acordo com critérios estabelecidos pelo município, acompanhará a família em relação à educação em saúde, à contaminação humana e ao acesso do animal à rua. No caso de acesso à rua, o tutor deverá providenciar a restrição do animal, seja por meio de telas de proteção ou outros recursos, manutenção do animal trancado em um ambiente da casa ou verificar a possibilidade de fornecimento/empréstimo de gaiolas pelos municípios (Figura 4), todas com separação da área com a caixa de areia das áreas com alimentação e de descanso. Os municípios podem considerar a compra ou confecção dessas gaiolas para empréstimo aos munícipes. Também considerar a compra de rede para telar áreas da moradia que vão impedir o acesso do animai contaminado à rua ou a outras casas da vizinhança. Essas medidas devem fazer parte das preventivas.

 

Figura 4 – Modelo de gaiola para restrição de animais semidomiciliados com esporotricose, considerando separação entre o ambiente com a caixa de areia e os de descanso e alimentação. Gaiola com um andar, mas com dois compartimentos (7)

 

Tratamento de animais sem tutores:

• realizar a estimativa de animais de vida livre, identificando os que apresentam lesões de pele (por meio de fotos, vídeos e uso de drones). Caso o poder público municipal não tenha recursos humanos suficientes, sugere-se a contratação de clínicas veterinárias, empresas veterinárias ou terceiro setor (ONGs, associações médico-veterinárias) especializados em medicina veterinária do coletivo para fazer a estimativa populacional de animais com tutores ou de vida livre. Idem para a implantação de programas CEDD;

• instalar no município o programa de Captura, Esterilização, Diagnóstico e Devolução (CEDD) no mesmo local para o controle (manejo) da população felina e determinação da prevalência da esporotricose nessas populações;

 •• no caso de o município ter estrutura para manutenção dos animais doentes durante o período de tratamento, a devolução imediata ao local de origem não seria feita;

 •• podem-se realizar convênios com estabelecimentos médico-veterinários/empresas ou ONGs para a manutenção desses animais até o final do tratamento;

• instalar no município programa de tratamento de animais de vida livre, com o apoio de protetores independentes e da comunidade que faça parte do mesmo território onde se encontra a colônia de gatos, para facilitar o tratamento diário dos animais. Também se pode pensar na contratação de empresas ou ONGs para realizar esse serviço. Como ainda não há publicações indicando essa forma de tratamento, sugere-se:

 •• nutrir todos os animais da colônia com alimento úmido (sachês) contendo a medicação: metade ou 1/3 do sachê por animal, contendo 100 mg de itraconazol, diariamente;

 •• colocar um prato descartável para cada animal;

 •• inicialmente, acostumar os animais com a alimentação sem a medicação;

 •• quando possível, oferecer o sachê com o itraconazol somente para os gatos que apresentem lesão de pele;

 •• planejar a CEDD conforme os animais vão se acostumando com o ponto de alimentação;

 •• a comunidade deve ser informada de todas as ações que estão sendo implementadas, principalmente quando as armadilhas forem coladas para a captura dos animais;

• dispensação da medicação para o tratamento de animais de vida livre; 

• realização de eutanásia em animais em grande sofrimento e com diagnóstico reservado, sem possibilidade de tratamento ou refratário a ele;

• monitoramento dos animais em tratamento.

 

Pós-tratamento:

• sugere-se o monitoramento do animal por meio de agendamento de retornos ou visitas domiciliares para identificação de recidivas;

• animais com tutores: de acordo com a gestão municipal, promover a castração, vacinação e microchipagem, além da identificação visual com corte da ponta de orelha durante a castração e plaqueta ou coleira elástica de identificação; 

• animais de vida livre: continuar com o monitoramento até que nenhum dos animais da colônia apresente mais lesões após no mínimo 60 dias e promover a castração, com identificação permanente (chipagem e corte de orelha).

 

Formação de uma rede plurissetorial para o enfrentamento da doença:

• formação de uma rede com participação de Saúde, Meio Ambiente, Ministério Público, educação, assistência social, universidades, conselhos de classe, associações, etc.;

• a partir da rede, criar um grupo técnico de trabalho para elaboração de documentos que orientem condutas de enfrentamento da esporotricose.

 

Ficha Sinan:

• analisar a possibilidade de implementação da ficha de epizootia do Sinan junto ao Ministério da Saúde focado em esporotricose felina, adicionando outros campos, como “dados complementares do caso”, que deverão conter informações do animal, dados clínicos e conclusão / encerramento da ficha;

• publicação da Nota Técnica para Esporotricose Animal pela Sesa, que orientará sobre a notificação compulsória no estado do Paraná; sobre o fluxo de amostras para diagnóstico com objetivo de vigilância, de acordo com os critérios apresentados no manual do Lacen-PR; sobre o fluxo para dispensação de itraconazol para o estado e responsabilidade em nível estadual, contemplando os diversos cenários epidemiológicos e demográficos dos municípios em relação aos felinos com tutor/responsável. 

 

Grupo 5: Esporotricose laboral

Propostas:

• vigilância epidemiológica dos casos de esporotricose laboral com dados atualizados e ações associadas à comunicação efetiva sobre equipamentos de proteção, práticas de prevenção e tratamento para médicos-veterinários, incluindo estratégias de mitigação dos riscos e resposta, planejamento e ação integrada e colaborativa com os diferentes atores e instituições/entidades;

• treinamento, capacitação, atualização sobre o patógeno, formas de transmissão, profissionalismo, promoção do bem-estar dos animais, características clínicas e epidemiológicas, medidas preventivas e estímulo às notificações para os médico-veterinários em parceria com as entidades de classe e com os outros profissionais da saúde;

• gestão do conhecimento com ampliação da vigilância epidemiológica de esporotricose do estado por médico-veterinário nas Unidades de Vigilância em Zoonoses (UVZs), contextualizando também as ações junto à Estratégia de Saúde da Família (ESF) e a Centros de Referência em Assistência Social (Cras), nas ações de saúde única e políticas públicas locais;

• inclusão de médicos-veterinários em grupos multidisciplinares para compartilhamento de conhecimentos específicos relativos às demandas e ações nos municípios;

• desenvolvimento de protocolos específicos de documentação de prontuário, biossegurança nos estabelecimentos veterinários, triagem, condutas técnicas e procedimentos operacionais padrão para estabelecimentos veterinários e veterinários autônomos;

• articulação com outros profissionais para o melhor atendimento em saúde tanto para os médicos-veterinários quanto para a sociedade em geral;

• necessidades de pesquisas, parcerias público-privadas, auditorias/compliance e avaliações periódicas dos processos preventivos e de resposta;

• comunicação reflexiva de risco com o público e com os diferentes atores, considerando aspectos culturais e oportunidades de educação preventiva.

 

Considerações finais

Após a realização da oficina, vem sendo produzido entre todos os participantes um documento norteador que servirá de orientação para o enfrentamento da questão, identificando cinco pontos-chaves para o enfrentamento da esporotricose:

1. Criação de fluxograma de atendimento e notificação dos casos de esporotricose animal para ser utilizado em todo o estado, incluindo recepção das informações, unificação dos dados, encaminhamento e atendimento de casos suspeitos, diagnóstico, estadiamento da doença, bem-estar animal, acesso, distribuição e acompanhamento do tratamento, equipes responsáveis, orçamento e todas as ações necessárias para a prevenção e combate a esta zoonose. Que os dados sejam de fácil acesso para todos os municípios e instituições públicas, privadas e do terceiro setor, acompanhando as novas notificações, com mapeamento de cada caso notificado. Que o mapa da prevalência de esporotricose no estado interaja com o mapa de vulnerabilidade. 

2. Territorialização da esporotricose zoonótica e esporotricose felina: os casos de esporotricose felina e em pessoas devem ser comunicados às Vigilâncias em Saúde municipais e às UBSs para a territorialização; devem-se capacitar equipes de saúde e agentes comunitários para efetuar o acompanhamento das famílias que tenham pessoas ou animais em tratamento e identificar novos casos humanos e em animais da vizinhança; os novos casos de esporotricose em animais de vida livre devem ser informados ao órgão ambiental competente do município; criação de equipes multidisciplinares com a inclusão dos médicos-veterinários capacitados para atuar na prevenção e no controle da esporotricose animal no município, trabalhando com as Vigilâncias em Saúde municipais, UBSs e demais agentes do município, como, por exemplo, os agentes de endemia.

3. Implementação de um programa permanente colaborativo, multi-institucional e multidisciplinar de manejo populacional felino nos municípios (estimativa populacional, controle reprodutivo, vigilância epidemiológica, guarda responsável, registro e identificação, atendimento de denúncias de maus-tratos aos animais, manejo sanitário e legislação que ampare as ações) para animais com tutores e de vida livre (CED e CEDD).

4. Diagnóstico precoce e tratamento dos gatos infectados, com tutores e de vida livre: diagnóstico rápido, tratamento gratuito (animais com tutores/responsável Sesa) e acessível, educação em saúde – prevenção de riscos à saúde pública e monitoramento constante do tratamento e da imposição de restrição de movimento dos animais infectados com tutores.

5. Vigilância e educação em saúde para todos os animais, munícipes, tutores/proprietários/responsáveis, protetores, ONGs, médicos-veterinários privados e públicos, médicos e agentes de saúde no apoio à implementação das ações de prevenção, tratamento e combate à esporotricose animal e humana à luz da Saúde Única. Em especial, sugestão de monitoramento e acompanhamento telefônico semanal dos tutores com animais em tratamento, tirando dúvidas e garantindo a sua adesão ao tratamento.

 

Referências

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2-BOECHAT, J. S. ; OLIVEIRA, M. M. E. ; ALMEIDA-PAES, R. ; GREMIÃO, I. D. F. ; MACHADO, A. C. S. ; OLIVEIRA, R. V. C. ; FIGUEIREDO, A. B. F. ; RABELLO, V. B. S. ; SILVA, K. B. L. ; ZANCOPÉ-OLIVEIRA, R. M. ; SCHUBACH, T. M. P. ; PEREIRA, S. A. Feline sporotrichosis: associations between clinical-epidemiological profiles and phenotypicgenotypic characteristics of the etiological agents in the Rio de Janeiro epizootic area. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 113, n. 3, p. 185-196, 2018. doi: 10.1590/0074-02760170407.
3-BRASIL. Lei nº 14.228, de 20 de outubro de 2021. Dispõe sobre a proibição da eliminação de cães e gatos pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres; e dá outras providências. Brasília: Gov.br, 2021. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14228.htm>. Acesso em 8 de dezembro de 2022
4-PARANÁ. SECRETARIA DA SAÚDE. Resolução SESA nº 093/2022. Define a esporotricose humana e animal como doenças de interesse estadual e de notificação compulsória nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território estadual. Curitiba: SESA, 2022. Disponível em: <https://lacen.saude.pr.gov.br/sites/lacen/arquivos_restritos/files/documento/2022-03/resolucao_sesa_no_093_2022.pdf>. Acesso em 28 de fevereiro de 2023.
5-Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução n° 1000, de 11 de maio de 2012. Dispõe sobre procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências. Disponível em: <http://ts.cfmv.gov.br/manual/arquivos/resolucao/1000.pdf>. Acesso em 28 de fevereiro de 2023.
6-Conselho Federal de Medicina Veterinária. Guia brasileiro de boas práticas para eutanásia em animais. Disponível em: <https://www.cfmv.gov.br/guia-brasileiro-de-boas-praticas-para-a-eutanasia-em-animais/comunicacao/publicacoes/2020/08/03/#1>. Acesso em 28 de fevereiro de 2023.
7-WAGNER, D. C. ; KASS, P. H. ; HURLEY, K. F. Cage size, movement in and out of housing during daily care, and other environmental and population health risk factors for feline upper respiratory disease in nine North American animal shelters. PLoS ONE, v. 13, n. 1, e0190140. 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0190140>. Acesso em 28 de fevereiro de 2023.