Cão comunitário: um sujeito de direito

O cão comunitário é aquele que vive nas ruas e que, apesar de não ter tutor definido e único, mas sim um ou mais mantenedores, estabelece com a população local vínculos de dependência e manutenção. Esse perfil de cão de rua sempre existiu no Brasil e no mundo, contudo o cão comunitário pode ser visto como uma alternativa no controle e monitoramento de cães errantes.
Já se sabe que o recolhimento e o extermínio desses animais é uma estratégia ineficiente no controle populacional, devido à alta taxa de fluxo e reposição de indivíduos 1. Tal constatação ressalta ainda mais a responsabilidade das instituições e dos agentes públicos dedicados a esse tema, tendo em vista a proibição da submissão dos animais à crueldade, conforme previsão constitucional (Inciso VII, Parágrafo 1º do Artigo 225 da Constituição Federal de 1988). Além disso, os programas de cães comunitários são uma oportunidade de integrar os animais ao cotidiano da sociedade. Afinal, eles foram domesticados com que propósito?
Em alguns lugares do Brasil, como São Paulo, Curitiba, Araucária, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, existem programas de cães comunitários apoiados pelas prefeituras e pela legislação, a exemplo do que prevê a lei estadual do Paraná no 17.422, de 18 de dezembro de 2012, que dispõe sobre o controle ético da população de cães e gatos (ver também Lei n. 12.916/08, Lei n. 1913/08, Lei n. 13.193/09 e Lei n. 4.956/08). Os animais são vacinados, desverminados, identificados e castrados com recursos públicos. A comunidade se responsabiliza por oferecer água, alimentação e abrigo, além de informar qualquer eventualidade ao médico-veterinário da prefeitura. Os animais selecionados são dóceis e os que tenham um vínculo estabelecido com a comunidade.
Esses animais podem contribuir com a comunidade constituindo barreiras sanitária e reprodutiva, ou seja, se mantivermos os cães saudáveis e esterilizados, aumentaremos assim a sua expectativa de vida e, consequentemente, sua potencial contribuição em termos de saúde pública e bem-estar animal 2. Por isso a atenção ao cão comunitário como um indivíduo de direito vai ao encontro das novas abordagens de paradigmas relacionados à saúde única e ao bem-estar único.
Cães e gatos nas ruas são uma realidade em vários países. Atualmente, as recomendações dos programas de controle populacional contemplam a associação de estratégias como educação, saúde e bem-estar animal (vacinação e atendimento clínico), legislação, centro de reabilitação e adoção, identificação e registro do animal e controle reprodutivo (castração) 3,4,5, que podem ser alcançadas com a adoção, entre outras medidas, de programas de cães comunitários.
Há normas técnicas que orientam para a construção de centros de controle de zoonoses, mas não existem regras para gerenciá-los a fim de evitar, por exemplo, que se tornem meros depósitos de animais. A castração por si só, sem o planejamento adequado, tem eficácia limitada no controle da densidade populacional, uma vez que os animais são recolhidos e devolvidos às ruas sem que se tenha um controle da sua qualidade e expectativa de vida. Já se sabe que o abandono é uma das principais causas da existência de cães nas ruas. Assim, a educação em guarda responsável seria um dos pilares para trabalhar e entender a questão.
Diante disso, é importante ressaltar a interdependência entre as alternativas de controle e monitoramento da densidade populacional dos animais nas ruas, pois eles se complementam como ações preventivas. E que somente o esforço coletivo e sinérgico dos vários segmentos da sociedade envolvidos na problemática poderá dar respostas aos anseios da população, pois as causas e consequências da alta densidade de animais nas ruas são de responsabilidade de todos, órgãos públicos e sociedade de uma maneira geral.
Referências
1-WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO expert consultation on rabies. Second report. World Health Organization Thecnical Report Series, n. 982, p. 1-139, 2013. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24069724>.
2-MOLENTO, C. F. M. Public health and animal welfare. In: M.C. APPLEBY, M. C. ; WEARY D. M. ; SANDØE, P. Dillemas in animal welfare. Wallingford: CABI Publishing, 2014. p. 102-123. ISBN: 9781780642161.
3-FAO. Dog population management. Animal production and health reports. In: FAO/WSPA/IZSAM EXPERT MEETING, 2011, Banna, Italy. Proceedings… Banna: FAO, WAP & IZSAM, 2011. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-i4081e.pdf>.
4-ICAM – INTERNATIONAL COMPANION ANIMAL MANAGEMENT COALITION. Are we making a difference? A guide to monitoring and evaluating dog population management interventions. 2015. 129 p. Disponível em: <http://www.icamcoalition.org/downloads/ICAM_Guidance_Document.pdf>.
5-OIE – WORLD ORGANISATION FOR ANIMAL HEALTH. Stray dog population control. 2014. 12 p. Disponível em: <http://www.oie.int/fileadmin/Home/eng/Health_standards/tahc/2010/chapitre_aw_stray_dog.pdf>.