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MVColetivo

Conhecimento a respeito das principais zoonoses por parte de tutores beneficiados por programa de castração no município de Araucária, PR, Brasil


Introdução

O aumento do contato entre seres humanos e animais fez com que as zoonoses se tornassem ainda mais importantes no campo de estudo da Saúde Pública 1. Além da relação entre seres humanos e animais de estimação, diversas outras atividades podem ser fontes de infecção de zoonoses, como transporte de animais doentes, domesticação de animais silvestres, consumo de alimentos de origem animal, entre muitas outras atividades desempenhadas pelas pessoas 2. Muitas zoonoses são doenças negligenciadas, tornando sua ocorrência mais comum em localidades pobres 3, o que também pode ocorrer devido à falta de acesso a informações sobre seu controle e prevenção 1.

Doenças graves como a leptospirose e a leishmaniose são de ocorrência frequente no Brasil 4, e diversas outras podem ser transmitidas entre animais e pessoas, como a raiva, que acometeu 188 pessoas entre os anos 2000 e 2017 5. A leishmaniose tegumentar americana apresenta números alarmantes: de 2008 a 2017, a média anual de casos no estado do Pará foi de 3.461 6. A leishmaniose visceral, por sua vez, apresentou mais de 51 mil casos em seres humanos no Brasil de 2003 até 2018, o que corresponde a 1,7 casos para cada 100 mil habitantes 7, enquanto a leptospirose atingiu 42.310 pessoas no período de 2007 a 2017 8. A educação em saúde é fundamental para a prevenção das zoonoses e outros agravos nos quais os animais possam estar envolvidos 9,10.

Objetivou-se com este estudo entender a percepção de tutores de animais de estimação beneficiados por programa de castração em Araucária, Paraná.

 

Entendendo a realidade local

Para conhecer a percepção de tutores de cães em Araucária, PR, entrevistaram-se participantes das campanhas de castração no município, durante os anos de 2019 e 2020, com maioridade legal e responsabilidade sobre o animal participante da campanha. O formulário utilizado encontra-se na figura 1. Os entrevistados foram escolhidos de forma aleatória, entre os participantes das campanhas.

 

Figura 1 – QR code para acessar o formulário desenvolvido para coleta de informações aplicado a tutores de animais participantes de campanha de castração (https://drive.google.com/drive/folders/1dshu1b2zC0k_m-SZ4gfCzaR3g_ldG5-c?usp=sharing)

 

Os participantes do estudo (Figura 2) representam o recorte de um segmento social específico do município, composto por pessoas contempladas por algum benefício social como o Programa Bolsa Família, por exemplo, ou que estivessem inscritas no Cadastro Municipal de Protetores.

 

Gênero N %
Feminino 112 78
Masculino 28 20
Não respondeu 3 2
Total 142 100
Idade N %
18 a 20 anos 11 7,7
21 a 40 anos 75 52,5
41 a 60 anos 42 29,3
61 anos ou mais 7 5
Não respondeu 8 5,5
Total 143 100
Figura 2 – Gênero e idade autodeclarados pelos participantes do estudo

 

Os participantes eram majoritariamente pessoas do gênero feminino (78%, 112/143), e idade prevalente entre 21 até 40 anos (52,5%, 75/143). Dos participantes entrevistados (Figura 3), a maioria tinha o 2º grau completo (41,2%, 59/143).

 

Escolaridade N %
Nenhuma 3 2,1
1º grau incompleto 18 12,6
1º grau completo 11 7,7
2º grau incompleto 12 8,4
2º grau completo 59 41,2
Superior incompleto 15 10,5
Superior completo 15 10,5
Não respondeu 10 7
Total 142 100
Figura 3 – Escolaridade autodeclarada pelos participantes

 

Em relação à quantidade de animais pelos quais o entrevistado era responsável no momento do questionamento, 44% (66/143) tinham apenas um animal (Figura 4).

 

Quantidade de animais N %
Não respondeu 1 0,7
1 63 44
2 34 23,8
3 24 16,8
4 6 4,2
5 ou mais 15 10,5
Total 143 100
Figura 4 – Quantidade de animais sob responsabilidade do entrevistado

 

Doenças conhecidas pela população do estudo

Sobre a definição de zoonoses, 67% (n = 96/143) relataram que já conheciam a definição “Zoonoses são doenças ou infecções naturalmente transmitidas entre animais vertebrados e seres humanos”; 33% (n = 47/143) participantes desconheciam o termo zoonose, resultado próximo ao encontrado em estudo no Recife, PE 11, no qual 28,21% dos pais de alunos de escola particular, e 28% dos pais de alunos de escola municipal desconheciam o termo, divergindo, porém, dos resultados encontrados em 2017, no qual 74% dos entrevistados na cidade de Fernandópolis, SP, desconheciam o significado da palavra zoonose 1.

As doenças zoonóticas questionadas foram a raiva, a leptospirose, a toxoplasmose, a leishmaniose, o bicho geográfico, a febre maculosa, a malária, a doença de Chagas, a hantavirose e a sarna sarcóptica. A figura 5 mostra as doenças conhecidas pelos participantes: raiva (80,4%, n = 115/143); leptospirose (65,7%, n = 94/143); sarna sarcóptica (55,9%, n = 80/143); toxoplasmose (43,1%, n = 66/143); malária (44,75%, n = 64/143); doença de Chagas (44%, n = 63/143); bicho geográfico (35%, n = 50/143); leishmaniose (28,7%, n = 41/143); febre maculosa (22,3%, n = 32/143) e hantavirose (16,8%, n = 24/143).

 

Figura 5 – Zoonoses conhecidas entre participantes da pesquisa.

 

Em relação ao conhecimento sobre doenças específicas, o presente trabalho demonstra que 19,6% (n = 28/143) das pessoas desconheciam a raiva, 34,3% (n = 49/143) das pessoas desconheciam a leptospirose e 53,8% (n = 77/143) das pessoas desconheciam a toxoplasmose, e esses resultados diferem da literatura que encontrou em Fernandópolis, São Paulo, em 2017 1, 100% dos entrevistados conheciam a raiva, e 92% a toxoplasmose e a leptospirose. Em uma população do interior de São Paulo, no eixo Campinas a Ribeirão Preto 12, outros autores encontraram um público melhor informado do qual 0,89% declarou desconhecer a raiva; 2,6%, a toxoplasmose; 3,15%, a leishmaniose; e 1,72%, a leptospirose.

A soroprevalência de doenças como toxoplasmose pode ser muito alta, como a encontrada (66%) em população rural no município de Jaguapita no interior do Paraná 13. O grupo pesquisado apresentou baixa escolaridade e desconhecia doenças importantes e com alta prevalência como a toxoplasmose 13.

O presente estudo, apesar de contemplar parte da população beneficiária de programas sociais e com menor acesso à educação, não avaliou características como renda per capita, configuração familiar, endereço e condições socioespaciais específicas, tendo sido o benefício social a única forma de pré-requisito para acesso ao programa de castração.

 

Considerações finais

Neste estudo, foi possível observar a baixa taxa de escolaridade e a distribuição desigual do acesso à educação entre as pessoas entrevistadas. Diferentes regiões geográficas apresentam diferenças importantes em relação ao conhecimento sobre as zoonoses, o que demanda mais estudos a fim de se compreender quais são os motivos em nível local para tais diferenças. É preciso disseminar e popularizar conhecimentos técnicos de qualidade a respeito de doenças zoonóticas em todo o território brasileiro, bem como as implicações que tais moléstias causam à sociedade no dia a dia e as maneiras de preveni-las. Torna-se necessário, portanto, elaborar e executar estudos mais completos e amplos, buscando assim resultados mais concordantes a respeito do nível de conhecimento geral da população brasileira sobre saúde pública, de modo a alcançar resultados que possam culminar na criação de políticas públicas de acesso à educação e à saúde, além de campanhas de castração.

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