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Como vai a comunicação nos estabelecimentos veterinários?

Já ouviu falar de “comunicação não violenta”?

Matéria escrita por:

Felipe Consentini, Leonardo Nápoli

7 de jan de 2024

A comunicação embasada na empatia permite que todos os envolvidos na família multiespécie se sintam acolhidos. Créditos: Leonardo Napoli A comunicação embasada na empatia permite que todos os envolvidos na família multiespécie se sintam acolhidos. Créditos: Leonardo Napoli

Em nosso primeiro encontro, conversamos sobre marketing, e agora abordaremos um pouco a comunicação, em especial aquela voltada a prevenir, contingenciar e tratar conflitos. A comunicação é um ponto crítico em todas as organizações, muitas vezes olvidado e tratado sem a devida importância – portanto, deve ser destacada por parte dos empreendedores: “Isso é questão de gestão!”.

Comentamos anteriormente a evolução da medicina veterinária e sua relação com a sociedade contemporânea, e um de seus aspectos é a significativa mudança na relação do responsável com seu animal de companhia. O perfil do animal de companhia com função utilitarista, geralmente de proteção do patrimônio ou controle de animais sinantrópicos, mais visto como um recurso do que como um ser senciente e com valor intrínseco, passa a ser de um indivíduo interiorizado no seio da família, agora chamada de multiespécie. Essa relação toma tal destaque na sociedade brasileira, que transita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Federal nº. 179/2023, que “regulamenta o conceito de família multiespécie como aquela formada pelo núcleo familiar humano em convivência compartilhada com seus animais”.

Ora, se ocorre essa significativa mudança relacional entre responsável e animal, obviamente ela se transpõe à relação paciente/cliente/profissional/estabelecimento veterinário. Ou seja, há que se considerar que o atendimento do paciente focado fundamentalmente em critérios técnicos toma uma nova dimensão, envolvendo agora aspectos afetivos e emocionais. Os estabelecimentos veterinários atuais não atendem a “pacientes animais”, mas a membros de uma estrutura familiar estabelecida, que, em momentos recorrentes, podem ser a sustentação emocional de indivíduos desse grupo.

Voltemos à gestão. A pergunta é: os gestores de estabelecimentos veterinários, ao analisar os fluxos dos processos de suas empresas, estão atentos às interfaces comunicacionais? Quais e como são esses momentos e seus pontos críticos, e de que forma são tratados? A empresa e a equipe estão preparadas para conduzi-los adequadamente?

E, tendo atenção para essa questão, não se pode deixar de abordar as relações interpessoais, que estão intrinsicamente conectadas às questões relativas à comunicação, sejam elas com os agentes internos – no caso, as equipes – ou as que envolvem agentes externos – como os clientes e responsáveis.

É sabido que as maiores causas dos processos éticos – e, consecutivamente, judiciais – relacionados aos estabelecimentos veterinários decorrem da falta de resolução de questões interpessoais com os clientes, motivada pela insegurança e/ou insatisfação com a conclusão dos serviços prestados. Não necessariamente essas situações são motivadas por questões de falhas técnicas, mas pela frustação em relação a expectativas não atendidas.

Outro aspecto importante – e recorrentemente não observado pelos gestores – é a fragilidade e a vulnerabilidade do cliente em algumas categorias de atendimentos, em especial nos casos de emergência/urgência e de pacientes senis ou terminais. Nesse momento é necessário identificar o estado emocional do responsável e atentar para a forma adequada de intervir e conduzi-lo. Diante do fluxo descrito, uma boa comunicação será essencial para o sucesso do processo.

A abordagem inadequada do cliente é um ponto crítico que pode potencializar o insucesso das relações interpessoais, gerar insatisfações e causar conflitos. No geral, essas situações são decorrentes de falhas comunicacionais ou estão ligadas a elas. Se os gestores dos estabelecimentos veterinários fizerem uma análise em busca das causas das crises ocorridas no atendimento dos seus pacientes e clientes, provavelmente concluirão que a maioria delas foram motivadas ou influenciadas por má comunicação e dissonâncias nos relacionamentos interpessoais, decorrentes, em boa parte, da falta de empatia e de compreensão, de não ouvir e, pode-se dizer, da ausência de compaixão entre os interlocutores.

Para gerir essa realidade, uma adequada abordagem comunicacional pode ser uma útil ferramenta.  Atentos a isso, comentaremos uma técnica que pode aprimorar os relacionamentos profissionais e, por que não, os pessoais: a “Comunicação não violenta – CNV”.

A CNV foi desenvolvida pelo psicólogo americano Marshall B. Rosenberg na década de 1960. Baseia-se no relacionamento humano e foca o fortalecimento de competências comunicacionais para intervir em condições adversas, sendo assim altamente aplicável ao dia a dia dos estabelecimentos veterinários.

Fundamenta-se em trazer ao fluxo da comunicação uma postura respeitosa e empática entre os participantes, observando as situações de forma objetiva e sistematizada, de modo a proporcionar efetividade às soluções das demandas e conflitos dos envolvidos. A CNV traz no seu cerne algumas características:
• empatia: considerada um comportamento com o qual se busca perceber a experiência do outro por sua óptica, vai além de ouvir ou ser simpático, remetendo a conhecer as sensações e necessidades dos interlocutores com o objetivo de impulsioná-los a se aproximar para alcançar os resultados esperados;
• compaixão: sentimento de tristeza e pesar causado pelas situações difíceis de outrem, provocando o desejo de auxiliá-lo para aliviar o seu sofrimento. Não consiste em sentir pena do outro, mas em interiorizar efetivamente o sentimento dessa pessoa para apoiá-la na busca da resolução das suas necessidades; 
• escuta ativa: estar aberto a ouvir, ou seja, captar de fato, de forma atenta e empática, o que o interlocutor deseja expressar. É essencial para o fortalecimento da CNV e para a solução de conflitos. Integra-se a ela inclusive a atenção à comunicação não verbal realizada pelos interlocutores;
• conexão: construída por meio das três anteriores, talvez seja o objetivo central da CNV. Entender as necessidades do outro e vice-versa possibilita que os sentimentos e as necessidades dos participantes do fluxo comunicacional sejam compartilhados e conectados, abrindo espaço para a construção de estratégias voltadas à solução das demandas e conflitos.

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Oferecer ao tutor a oportunidade de se sentir acolhido e ouvido permite que o diagnóstico e o tratamento sejam realizados com maior eficácia. Créditos: Leonardo Napoli

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Ao analisar a proposta de Rosenberg , observa-se que a CNV contribui para conectar os interlocutores por meio da compaixão e da empatia, e reformula o modo de expressão e escuta – seja por meio da entrega ou do respeito, estimulando nos participantes o desejo de fortalecer o processo comunicacional. A CNV constitui uma potente aliada na gestão de relacionamentos e fluxos comunicacionais internos e externos, e um instrumento útil a ser utilizado pelos gestores e suas equipes na prevenção, na mitigação e no tratamento de disputas e conflitos.

Seu modelo é composto por quatro componentes: observação, sentimentos, necessidades e pedidos.

 

Observação

Quando se aplica a CNV, o primeiro momento é de observação – e deve-se esclarecer que, distintamente da avaliação, na qual ocorrem a análise e a posterior construção de uma conclusão, a observação deve ser realizada visando trazer à tona apenas os fatos de forma objetiva e isenta.

É exercício complexo separar a observação da avaliação; entretanto, caso isso não ocorra, o processo comunicacional correrá o risco de embutir a crítica da conclusão realizada e, consequentemente, uma possível reação defensiva daquele com quem se está comunicando.

 

Sentimentos

O segundo componente necessário para o exercício da CNV são os sentimentos. Identificar e expressar os próprios sentimentos e ao mesmo tempo estar aberto, a partir da observação empática, a conhecer os dos demais interlocutores conecta os participantes no processo comunicacional. Compartilhar sentimentos permite compreender melhor as pessoas que os expressam; da mesma forma, na comunicação e na gestão de conflitos, estar ciente dos sentimentos relacionados ao processo amplia a racionalização sobre como os fatos afetam os envolvidos, auxiliando no processo resolutivo.

 

Necessidades

O terceiro passo da CNV consiste no conhecimento e na exposição das necessidades dos interlocutores. A exposição das necessidades na comunicação não é comum, pois muitas vezes nem mesmo os próprios interlocutores as têm claras. Necessidades não atendidas geram frustação; entretanto, ao serem evidenciadas, ampliam as informações disponíveis no processo de comunicação, aumentando a possibilidade de sucesso na resolução das demandas e, ao mesmo tempo, minimizam o risco de conflitos.

Nesse quesito, como nos demais, a empatia e a conexão influenciam e permitem que as necessidades sejam exteriorizadas, entendidas, e, por meio do próximo passo, atendidas. 

 

Pedidos

Observados os fatos, conhecidos os sentimentos e levantadas as necessidades, o passo seguinte para concluir o ciclo da CNV – lembrando que ele é contínuo – requer que os interlocutores expressem quais são os pedidos para atender a suas demandas.

Um dos grandes gargalos para o sucesso dos fluxos comunicacionais é a falta de objetividade e clareza do que de fato os envolvidos querem alcançar. Portanto, a CNV propõe que se evidencie o desejado em forma de pedido, a partir da observação dos fatos, da interlocução com os sentimentos e da definição das necessidades dos envolvidos no processo.

Assim, a CNV, se aplicada aos processos de comunicação, constitui uma ferramenta que oferece oportunidade para o tratamento adequado das demandas dos diversos atores e pode contribuir efetivamente na solução de conflitos presentes nos estabelecimentos veterinários.

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Explicar detalhadamente a situação do paciente e os procedimentos que devem ser realizados tranquiliza e assegura o tutor. Créditos: Leonardo Napoli

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Obviamente, trouxemos de forma muito sucinta os conceitos da CNV, que, como toda ferramenta de gestão, exige percorrer um grande caminho para ser interiorizada na cultura dos estabelecimentos veterinários. Para implantá-la, pode-se iniciar pelo mapeamento dos fluxos comunicacionais presentes nos processos da empresa, concomitantemente com a identificação dos seus pontos críticos. Na sequência, a capacitação e a sensibilização da equipe serão fundamentais para que ela seja aplicada rotineiramente. Todavia, após esse estágio e devidamente implantada, ela aperfeiçoará e qualificará a comunicação em todas as esferas da empresa.

Considerando que um dos grandes focos da prestação de serviços é o fortalecimento do relacionamento com o cliente, a aplicação da CNV contribuirá para ampliar sua satisfação e sua confiança em relação aos serviços prestados. Consequente, intensificada a sua fidelização, o cliente estará disposto a retornar e manter o bom atendimento ao seu animal, gerando aumento da receita da empresa.

Atender às necessidades e aos pedidos dos clientes – em especial no que se refere a um querido membro da sua família multiespécie – por meio de uma “boa e empática conversa” com certeza deve fazer parte da missão dos estabelecimentos veterinários. E “Isso é questão de gestão”!

 

Referências

1-Projeto de Lei nº 179/2023, que “Reconhece a família multiespécie como entidade familiar e dá outras providências”. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2346910>. Acesso em 25 de dezembro de 2023.

2-ROSENBERG, M. B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. 5ª ed. São Paulo: Ágora, 2021.