Menu

Clinica Veterinária

Início Edições Entrevistas Entrevista com Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia
Entrevistas

Entrevista com Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

O ex-diretor do Zoológico de Sorocaba compartilha algumas experiências

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

9 de jan de 2024

. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia . Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia (conhecido entre parceiros como Roni) nasceu em Sorocaba em 30 de agosto de 1943. Formou-se médico-veterinário na segunda turma de medicina veterinária da FMVZ/Unesp de Botucatu e atuou profissionalmente em zoológicos, tendo sido diretor do Zoológico de Sorocaba até sua aposentadoria. Seu exemplo de dedicação em prol da medicina veterinária na conservação de animais silvestres e selvagens inspirou e inspira colegas não somente no Brasil mas pelo mundo. 

Precursor de ações de divulgação do bem-estar e do respeito aos animais, foi responsável por imensos avanços na área, promovendo grandes mudanças de atitude e consciência nos profissionais envolvidos e na população em geral. 

Lázaro Puglia gentilmente nos concedeu esta entrevista, na qual compartilha sua trajetória e comenta as mudanças que a medicina veterinária de animais silvestres vem presenciando ao longo de décadas. Agradecemos profundamente a esse profissional que a tantos inspirou e desejamos que seu exemplo siga estimulando os jovens profissionais a enfrentar com a mesma garra e coragem os imensos desafios que a medicina veterinária de animais silvestres e selvagens ainda tem pela frente.

­

Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia, em 1979, quando diretor do Zoológico de Sorocaba. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

Clínica Veterinária (CV) – Os zoológicos são hoje muito criticados, acusados de atenderem unicamente à vaidade e ao sadismo humanos, fontes de maus-tratos e crueldades para com os animais. Por que eles devem continuar a existir?

Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia (LP) – Antigamente se julgava um zoológico pelo seu plantel, mas atualmente, com o propósito de conservação, os zoos estão mais lógicos. Falta muito apoio financeiro do poder público; mesmo assim, muitas espécies animais foram salvas da extinção pelos zoológicos sob cuidados humanos. Exemplificando: harpias, pelo zoo de Itaipu; condores-da-califórnia, pelo San Diego Zoo; e condores-dos-andes na Argentina; projeto do mico-leão-dourado, em parceria internacional, com mais de 2 mil indivíduos – um sucesso alcançado pela dedicação e pelo conhecimento dos envolvidos. 

Hoje, em função dos criadouros e mantenedores, muitas espécies já podem retornar à natureza, tais como a onça-pintada, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. Os estudos de suas espécies começaram em zoológicos, sendo que atualmente todos fazem parte dos Planos de Ação Nacional (PANs) para conservação de espécies ameaçadas, coordenados pelo ICMBio. Os planos de ação são executados por grupos que reúnem instituições e especialistas da sociedade civil, que articulam o conhecimento ex situ e in situ. Sem o zoológico, como saberíamos identificar o animal, conhecer sua hematologia, sua maturidade sexual, o período de gestação, o número de filhotes, a curva de crescimento, a composição do leite, o desmame e outras informações?

Percebemos também que a natureza modificada pelo ser humano não está pronta: faltam corredores de passagem de fauna, túneis, sinalização de estradas e muitos outros – ainda há muito a fazer. Não existem áreas de soltura suficientes. 

Os animais que são resgatados chegam nas instituições em péssimas condições de saúde. Uma situação muito comum, infelizmente, é que mesmo depois que são recuperados e reintroduzidos, acabam por ser atropelados e mortos.

Os zoos também formam mão-de-obra especializada e dispõem de lazer orientado, com espaços e bibliotecas especializadas para levar conhecimento ao público que o frequenta.

Os zoos oferecem ainda abrigo/pernoite aos animais que não fazem parte do seu plantel, como aves que vivem na cidade (socós, garças, biguás, biguatingas) e outras migrantes. 

A atuação dos zoológicos em prol da natureza extrapola seu espaço físico. Em 1980 foi aberta a caça à codorna em Itapetininga, São Paulo. Naquele momento, o Zoológico de Sorocaba conseguiu a interrupção imediata da prática. 

Em 1990 surgiu um movimento de asfaltamento no Parque Estadual Carlos Botelho, cortando 37 mil hectares de Mata Atlântica que albergava mais de mil monos-carvoeiros (o primata mais raro do Brasil). Além deles, alí também vivem jacutingas, jaguatiricas e macucos, entre outros. Conseguimos na época interromper a obra a partir de muitas manifestações feitas pelo Zoológico de Sorocaba.

Defenderei sempre os zoológicos por todos esses pontos que apresentei, mas entendo que eles precisam de mudanças conceituais, de uma revisão legislativa constante e de buscar sempre melhorar quanto à questão da ambientação, da quantidade de público e outras, de forma a progredir com o trabalho de conservação e com o bem-estar dos animais.

 

CV – Ocorreram mudanças significativas nas últimas décadas? Como eram os zoológicos quando começou sua carreira?

LP – Os poucos zoos existentes eram apenas coleções de animais “expostos ao público”. Naquela época (estamos falando das décadas de 1960 e 1970), vários zoos brasileiros herdaram animais, técnicas e funcionários circenses. Eram ambientes minúsculos e tínhamos que enfrentar situações nas quais funcionários empregavam técnicas violentas para manejar animais, e que atavicamente se consideravam especialistas, e que recusavam os serviços veterinários. Não havia rações, e tínhamos que criar fórmulas e aprender com os erros e acertos.

Naquela época, verificando os efeitos negativos dos zoológicos brasileiros para os animais, concluí que a melhor maneira para justificar a presença do animal no zoo era utilizando-o como um veiculador de mensagens conservacionistas.

 

CV – Nas décadas de 1980 e 1990, o Zoológico de Sorocaba, sob sua direção, inovou ao introduzir a ideia de que era necessário promover educação ambiental dentro dos zoológicos do país. Como foi isso? Hoje em dia, essas ideias foram incorporadas pelos novos responsáveis pelos zoos? Ou seja, você vê a educação ambiental interiorizada nas atividades das instituições brasileiras?

LP – Após estagiar em 1970 no Zoológico de São Paulo (fui o primeiro estagiário da instituição, tendo trabalhado com a médica-veterinária Hannelore Fuchs e o biólogo Werner Bokermann), fui indicado para trabalhar no Zoológico de Goiânia, que me contratou em 1971 e onde acabei exercendo muitas funções ao mesmo tempo: além de médico-veterinário, era diretor do Museu de Zoologia, nutricionista, chefe do manejo e também construtor. Além disso, eu fazia o recebimento, a identificação e o envio de serpentes peçonhentas para o Instituto Butantan, pois o zoo era posto de recebimento de espécies peçonhentas da Região Centro-Oeste do Brasil.

Percebi que o conhecimento em medicina veterinária era insuficiente e resolvi cursar Zoologia de Vertebrados na PUC-GO. Acabei me tornando professor da disciplina, e essa experiência contribuiu significativamente para minha formação e minha visão profissional a respeito de zoológicos.

Minhas aulas não se restringiam às quatro paredes e aos conteúdos programáticos da disciplina. Sentia a necessidade de ligá-los de forma interdisciplinar às questões ambientais locais, regionais e mundiais, dentro de uma visão de interdependência e inter-relação em prol do conservacionismo. Acreditei que, como professor, poderia formar muitos multiplicadores, tanto na universidade como no zoológico. Dessa forma, em meu entendimento, iniciei na década de 1970 os primeiros trabalhos em educação ambiental dentro de um zoológico brasileiro.

Em 1974 fui convidado para ser o médico-veterinário do Zoológico de Sorocaba. Como era minha cidade natal, senti-me muito feliz em retornar após quase 10 anos morando fora. Em minha bagagem, trouxe muita experiência e o pensamento forte e convicto de que o zoológico, além de ser um espaço de lazer, é também um âmbito de educação. 

Dessa maneira, iniciei uma grande reorganização nos recintos dos animais, adequando-os e enriquecendo-os de acordo com sua filogenia ou segundo os ecossistemas. Com essa reorganização, um dos objetivos era que o zoo fosse autoeducativo. Iniciou-se um trabalho dentro do que viriam a ser as funções de um zoológico: lazer educativo, pesquisa, conservação e educação ambiental.

Não posso deixar de citar a bióloga e médica-veterinária Maria Cornelia Mergulhão, que começou a trabalhar em 1982 no Zoo de Sorocaba e foi responsável pela consolidação da educação ambiental em zoológicos.

O Zoológico de Sorocaba teve uma característica curiosa em sua trajetória, pois era vinculado à Secretaria de Educação. 

A maioria dos zoos brasileiros eram ligados às Secretarias de Obras ou Parques e Jardins. Esse vínculo com a educação possibilitou um canal de comunicação que resultou num diferencial significativo, principalmente quando, em 1979, o dr. Luiz Almeida Marins Filho assumiu a Secretaria de Educação, Saúde e Turismo de Sorocaba. À frente da secretaria, o professor Marins Filho, motivado pelas inovações e pelo trabalho pioneiro dos técnicos do Zoológico de Sorocaba, deu-lhe um amplo apoio institucional, o que infelizmente muitos zoológicos públicos até hoje não têm, pois dependem de verbas e políticas públicas, e muitos deles estão amarrados e/ou ilhados, em meio a abandono e má gestão, dentre outros fatores complexos.

A ideia deu tão certo que por diversas vezes, pela excelência do trabalho no Zoo de Sorocaba, conseguíamos o patrocínio para programas de educação ambiental da World Wildlife Fund (Fundo Mundial da Natureza – WWF), da Fundação Pró-Natureza (Funatura), da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (FGBPN) e da Fundação Nacional do Meio Ambiente (FNMA).

Assim, continuo acreditando profundamente no poder transformador da educação ambiental. Há boas histórias do resultado desse trabalho de conservação, seja de uma floresta (como foi o caso do Parque Carlos Botelho), seja dos programas de conservação de espécies ameaçadas de extinção, além de outras ações que vejo serem desenvolvidas por diversos técnicos dos zoológicos brasileiros e de programas de conservação.

­

Lázaro Ronaldo Puglia explicando às autoridades a importância das ações do zoológico. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

Acompanhamento pelas autoridades da soltura no recinto de um cervo. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

Lázaro Ronaldo Puglia apresentando filhotes de onça aos visitantes do zoológico. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

CV – A medicina veterinária e o manejo de animais selvagens (ou silvestres) evoluiu muito nos últimos tempos, mas há quarenta ou cinquenta anos a situação era bem diferente. Como era então o dia a dia no zoológico?

LP – Invariavelmente, aplicávamos o condicionamento, que era a primeira providência para a contenção. Os tratamentos não podiam ser prolongados, e, em consequência, prevaleciam os produtos de longa duração.

Para atender um animal, a contenção física era frequentemente obrigatória, pois a química não existia. Não raramente, ao aplicar um vermífugo, poderíamos provocar uma fratura em algum membro, caso não tivéssemos muito cuidado.

Geralmente várias pessoas pegavam o animal com o passaguá para conseguir contê-lo. Dependendo do porte, medicava-se o animal no passaguá mesmo; já os felinos ou macacos eram medicados em jaula de contenção.

Em uma ocasião, o urso-de-kodiak, um animal de 600 kg, fugiu, e naquela época não havia equipamentos, plano de contenção de fuga ou medicação para captura. A solução se deu por meio de um funcionário que pegou um grande cesto de lixo de metal e foi batendo nele com uma vassoura, e com isso o animal acabou por voltar para seu recinto.

Dispúnhamos de uma biblioteca limitada, e, comparativamente, para suprir nosso desconhecimento biológico e anatômico, usávamos o sistema comparativo – por exemplo: comparávamos antas com cavalos, cervos com bovinos, etc.

Nessa época também comecei a solicitar ajuda multidisciplinar de dentistas, pediatras, ortopedistas e ginecologistas, com os quais discutíamos alguns diagnósticos. 

Outro fator importante nessa evolução foi a chegada do médico-veterinário Adauto Veloso, em 1979, que se especializou nas medicações das contenções químicas. Posteriormente, para compor a equipe, chegou o dr. Rodrigo Teixeira, em 1992.

­

Lázaro Ronaldo Puglia em viagem na boleia de caminhão pelo Pantanal. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

CV – Hoje existem muitos cursos de extensão ou mesmo pós-graduação em medicina e manejo de animais selvagens, mas antigamente não era assim. Como se formavam os técnicos e mesmo os tratadores dos zoológicos? Onde vocês iam buscar informações?

LP – Não havia qualquer troca de informações, e o despreparo também era geral. Eu tinha uma grande necessidade de transformar o zoológico, de fazê-lo ser muito mais do que uma vitrine de animais, e naquele início fiz muitas viagens a outros zoológicos (acho que conheço quase todos os brasileiros e alguns do exterior). Nessas visitas técnicas, começamos a trocar informações e conhecimentos e iniciamos as primeiras reuniões de técnicos de zoológicos. Foi quando surgiram os primeiros trabalhos científicos e suas respectivas publicações. Além disso, levei muito a sério a abertura de estágio para estudantes de veterinária e biologia.

O resultado desse movimento, de muita determinação e da obstinação diante das necessidades dos zoológicos, além de uma legislação própria e adequada, foi a fundação, em 1978, da Sociedade Brasileira de Zoológicos, hoje Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab). As reuniões de fomentação da criação dessa sociedade aconteceram no Zoo de Sorocaba, para unir os técnicos de todo o Brasil e alinhavar uma proposta que viria a ser a base da legislação dos zoológicos.

Iniciaram-se muitos encontros, cursos, congressos, formaram-se as primeiras bibliotecas em zoos e houve a consequente troca de artigos. Os primeiros técnicos iniciaram cursos de pós-graduação, estágios e cursos em zoos e criadouros de outros países. Surgiram também os importantíssimos convênios com as universidades, que promoveram um grande avanço nos zoos.

 

CV – Você participou pessoalmente dos testes de quetamina no país. Como foi essa experiência?

LP – Quando estagiei no Zoológico de São Paulo, tive contato com o anestésico thionembutal (que era aplicado por via venosa). Tínhamos que colocar o animal numa jaula de contenção para possibilitar os acessos às veias, o que dificultava muito o trabalho.

Nessa época, os Laboratórios Parke-Davis lançaram o Ketalar, e a veterinária Hannelore Fuchs iniciou sua utilização nos animais do plantel da instituição. Lembro-me de ir buscar as amostras grátis do medicamento no centro de São Paulo para a veterinária utilizar nos procedimentos de atendimento aos animais silvestres.

Certa ocasião, uma leoa estava com parto distócico, precisando de uma cesariana, e utilizou-se experimentalmente o Ketalar (cedido pelos Laboratórios Parke-Davis). Outra experiência foi a necessidade de trocar de recinto um chimpanzé e de cortar as unhas de outro, tendo-se utilizado para isso esse anestésico.

Em 1975, já em Sorocaba, anestesiei um tigre com esse medicamento para que ele recebesse um tratamento de canal dental.

Após alguns anos, o dentista e biólogo João Galdino colocou uma prótese no canino inferior em uma onça-pintada anestesiada com essa medicação, que foi um marco importante para o atendimento aos animais selvagens.

Nesse procedimento, as brocas normais não tinham o comprimento necessário e precisaram ser alongadas, pois os canais tinham por volta de 12 cm de comprimento. Tudo tinha que ser adaptado.

O uso do Ketalar em todos os casos teve um ótimo resultado e proporcionou uma rápida recuperação dos animais.

­

Lázaro Ronaldo Puglia com sucuri. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

CV – E antes? Como se fazia a contenção de um leão ou de um antílope, por exemplo?

LP – Tenho muitas histórias desse período em que se “pegavam os animais à unha”, mas minhas ações como veterinário consistiam em pensar em alternativas de tratá-los sem muita contenção física. Algumas frases que os profissionais que trabalharam comigo ouviam:

“Para trabalhar com animais é preciso ser mais inteligente que eles”.

“A cirurgia foi perfeita, mas o paciente não resistiu?”

Os felinos eram colocados em jaulas de contenção, e os antílopes eram contidos fisicamente, o que causava muito estresse e às vezes a morte do animal.

Em certa ocasião, para receber vermífugo, uma zebra foi contida fisicamente, com um laço, mas ela se atirou contra o alambrado e foi a óbito.

Os avanços em conhecimento e a chegada de novos produtos químicos de contenção foram importantes para evitar essas situações de risco.

 

CV – Ao longo dos anos de trabalho, certamente você viveu diversas situações complicadas de manejo e cuidado com animais. Alguma delas o marcou especialmente?

LP – Tenho muitas histórias, mas as mais marcantes foram no nascimento de dois filhotes de uma ursa-de-kodiak, mantivemos o recinto interditado até para a faxina, mas as fezes e resíduos foram se acumulando, e, aos 3 meses, nós, técnicos, concordamos que se deveria fazer uma limpeza, que durou apenas 15 minutos. Soltamos a mãe e os filhotes, e imediatamente a ursa comeu um deles; o outro foi retirado às pressas e criado artificialmente na creche do zoo.

Em outra ocasião, recebemos da Polícia Ambiental um tamanduá-bandeira que era criado por uma senhora. A razão do susto foi que o tamanduá eliminou peças íntimas (calcinhas e sutiãs) pelas fezes em diferentes momentos.

­

Material utilizado para convite e divulgação das ações ecológicas realizadas no Parque Ecológico do Matão no município de Votorantim, SP. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

CV – Fora o ser humano, com que animais é mais difícil trabalhar? Por quê?

LP – Não existe animal fácil; o difícil é você atender um beija-flor às 8h da manhã e à tarde um elefante.

­

Lázaro Ronaldo Puglia ensinando visitantes a respeitarem animais peçonhentos e não peçonhentos. Créditos: Acervo Lázaro Ronaldo Ribeiro Puglia

­

CV – Mais recentemente popularizou-se manter animais silvestres como bichos de estimação. Há uma série de controvérsias a respeito. Os simpatizantes alegam que a criação em cativeiro e o comércio legal poderiam coibir o tráfico de animais. Os detratores afirmam que isso estimula a procura por animais, aumentando o tráfico, além de potencializar o risco de introdução de fauna exótica. Qual a sua opinião?

LP – Não é recente manter-se animais como bichos de estimação. Durante toda história, os animais conviveram com o ser humano de diversas formas ou maneiras, fosse na caça, em guerras, no trabalho, na alimentação, na companhia e em outros momentos. Indígenas sempre tiveram seus xerimbados. 

Dizem que em guerras existiram “hordas” de 4.000 elefantes. Homens lutaram com leões e tigres nas arenas. Grandes reis disputavam as melhores coleções para demonstrar prestigio. Houve até um imperador que sonhou ser morto em arena e ao acordar determinou a morte de todos os animais. Os circos, itinerantes que eram, transportavam, a semelhança da “Arca de Nóe”, animais em terra e pelo mar.

Pardal, lagartixa, barata, pombo, galinha, coelho, gato, cachorro, boi, cavalo, cabra, ganso, marreco, avestruz, codorna-japonesa, canário-do-reino, agapórnis, calopsita, rato, chinchila, escargot, búfalo, javali, bagre-africano, tilápia e outros foram introduzidos no Brasil, e vários deles hoje são classificados como animais domésticos.

Até ontem, o cão era o animal selvagem de outro lugar, e hoje está extremamente acostumado com os cuidados e o carinho humanos. Atualmente a equitação, entre outras técnicas de terapia com animais, promove verdadeiros milagres em interação e desenvolvimento humano.

Em muitos experimentos feitos com o público de zoológicos, os animais mais queridos eram aqueles que eram manuseados, carregados no colo, além de mamães com filhotes ou filhotes mamando.

Temos atualmente em nosso território uma população feral (de cães e gatos) que consomem como alimento “milhões” de animais silvestres. São cães comendo antas, capivaras, cervos, gatos comendo aves, répteis. Precisamos manejar os animais domésticos e priorizar nossa fauna silvestre.

O problema não é a legislação, mas a fiscalização e seu cumprimento. Nossa fauna está superameaçada por diversos fatores (agrotóxicos, áreas degradadas, tráfico de animais, etc), por que então não seguir todos os protocolos legais e criar fauna silvestre, além de cães e gatos?

As criações de animais, oriundas de universidades, criadouros comerciais e científicos, e zoos obtém animais que, reabilitados ou nascidos alí, poderão retornar ou ser encaminhados à natureza, em áreas de soltura adequadas.

Acredito que a complexidade desta questão em relação aos pets exóticos e silvestres merece ser bem discutida pelos zoológicos, universidades, criadouros e público em geral, mas lembrando que “o homem cria e destrói, ama e odeia, promove a paz e guerreia, preserva e destrói”.