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Entrevista com Elisa Fernandes de Souza Almeida, atual presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária

Primeira mulher a presidir o órgão, a professora titular aposentada da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da UFBA já foi presidente do CRMV-BA por três vezes

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

5 de jan de 2024

Elisa Fernandes de Souza Almeida. Créditos: CFMV Elisa Fernandes de Souza Almeida. Créditos: CFMV

A atual presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Ana Elisa Fernandes de Souza Almeida, é graduada em medicina veterinária pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), tem mestrado e doutorado em anatomia de animais domésticos e silvestres pela Universidade de São Paulo (USP) e é professora titular aposentada de anatomia da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da UFBA. Ana Elisa Almeida foi presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CRMV-BA) em três mandatos, presidente da Sociedade de Medicina Veterinária da Bahia (SMVBA) e ocupa a cadeira de nº. 17 da Academia Baiana de Medicina Veterinária (Abamev). Foi a primeira mulher a ocupar um cargo na diretoria executiva do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), o de vice-presidente na gestão 2020-2023, e a presidir o órgão. A nova presidente do CFMV generosamente nos concedeu esta entrevista.

 

Clínica Veterinária (CV) – Professora Ana Elisa Almeida, em primeiro lugar, parabéns pela determinação e pelo empenho. A senhora poderia nos falar da sua motivação para atuar na presidência do CFMV?

Ana Elisa Almeida (AEA) – Muito obrigada, Revista Clínica Veterinária, por sempre abrir espaço para nós, para o CFMV e por contribuir grandemente para a difusão de informações técnicas e corretas sobre a medicina veterinária.

A nossa motivação vem do desejo de mudança. Mas não é de hoje, não. É de muito tempo. Queremos fazer a diferença. Assumimos a presidência do CFMV já nessa direção e com esse compromisso. É a primeira vez que uma mulher assume o posto principal da entidade maior da medicina veterinária e da zootecnia no Brasil, e teremos, entre os 16 conselheiros efetivos e suplentes, cinco mulheres. Ou seja, seremos seis mulheres. Essa é a maior participação feminina na história do CFMV. Nós, mulheres, temos capacidade de ouvir e de acolher, e vamos imprimir essa marca para fazer uma gestão participativa, com articulação institucional, buscando sempre o fortalecimento e a inovação dos processos para alcançarmos a visibilidade e o tão desejado reconhecimento social das profissões de médico-veterinário e zootecnista. Resumindo bem, essa é a nossa motivação.

 

CV – A professora imaginava chegar à presidência de órgãos de classe quando cursou a graduação de medicina veterinária? Pode compartilhar um pouco da sua trajetória?

AEA – Nunca imaginamos e nem pretendemos isso. As coisas aconteceram naturalmente. Já ministrávamos aulas na universidade, e em 1999, por meio de um convite, assumimos a presidência da Sociedade de Medicina Veterinária da Bahia (SMVBA). Nascia ali a Ana Elisa gestora que nem a própria Ana Elisa que estava há alguns anos em sala de aula, contribuindo com a formação de novos profissionais, conhecia. 

Da SMVBA para o CFMV foi um caminho muito natural, e chegamos ao Sistema CFMV/CRMVs como secretária-geral, em 2003, no Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CRMV-BA). Depois tivemos a sorte e o prazer de presidir o CRMV-BA por três mandatos – 2008-2009; 2013-2016 e 2016-2019 –, e desde aquela época queríamos ver uma mudança no CFMV e na relação da autarquia com os CRMVs, com os profissionais e com a sociedade. Chegamos a ter o nosso primeiro mandato cassado por questões pura e simplesmente políticas, e já tínhamos tentado algumas vezes construir essa mudança, mas ela não acontecia. Queríamos algo mais participativo e que pudéssemos também contribuir com as nossas ideias. Então, em 2017, ainda presidente do CRMV da Bahia, surgiu a possibilidade de montarmos uma chapa na eleição para o CFMV e termos três chapas na disputa. Entramos, disputamos e não fomos eleitos, mas servimos como fator determinante para que a eleição chegasse ao segundo turno e a esperada mudança pudesse, finalmente, acontecer. Em 2020, o dr. Francisco Cavalcanti de Almeida, que havia sido eleito em 2017 nessa onda de mudança, decidiu concorrer à reeleição e nos convidou para nos candidatarmos à vice-presidência. Aceitamos o desafio e tivemos uma profícua parceria, tanto que o nosso nome foi lançado para a sucessão. Aceitamos o desafio, e em 4 de julho de 2023 fomos eleitos com 68 – dos 78 – votos para a presidência do CFMV, que assumimos no dia 17 de dezembro para o triênio 2023-2026.

 

CV – Quais os objetivos dessa nova diretoria para a gestão que agora se inicia?

AEA – Os nossos objetivos são um sistema ainda mais integrado e articulado, profissionais valorizados e que o conselho profissional seja reconhecido pelos pares e pela sociedade. Para isso, a nossa gestão vai trabalhar em quatro grandes eixos, com objetivos muito claros de valorizar as profissões de médico-veterinário e de zootecnista e destacar a importância do Sistema CFMV/CRMVs. Os nossos eixos de trabalho são:
• gestão participativa, que entre outras ações destaca a atuação para o fortalecimento e a ampliação do Núcleo de Apoio aos Conselhos Regionais (NAR) para auxiliar na estruturação e no desenvolvimento dos conselhos regionais;
• o eixo dois é a articulação institucional. Criaremos a Frente Parlamentar da Medicina Veterinária e da Zootecnia com colegas que possam facilitar essa relação com o Congresso Nacional e promover mais oportunidades de articulação em prol das profissões. Essa frente fará os encaminhamentos com nossa assessoria parlamentar, o CFMV e os profissionais;
• o terceiro eixo é o fortalecimento dos processos. Criaremos a Frente Nacional de Fiscalização. A fiscalização é nossa maior missão. Sabemos que a extensão territorial do país faz com que os investimentos em pessoal e infraestrutura precisem ser constantemente revisados e promovidos para alavancar melhoras na fiscalização em prol da proteção da sociedade. Queremos que, com a equipe do federal, essa frente possa dar suporte aos regionais no cumprimento dessa missão maior; 
• o último eixo é a visibilidade das profissões. Em 2024 vamos realizar a primeira edição do Prêmio CFMV/CRMVs de Jornalismo – uma maneira que encontramos de nos aproximar mais dos jornalistas e incentivá-los a pautar e escrever reportagens que mostrem a importância do médico-veterinário, do zootecnista e do Sistema CFMV/CRMVs para a sociedade. Também vamos ampliar as campanhas nacionais sobre o papel do médico-veterinário, do zootecnista e da atuação do conselho por meio de campanhas publicitárias. Em nossa proposta orçamentária, vamos destinar mais recursos para ações de publicidade, para que possamos mostrar à sociedade a importância desses profissionais. A gente pode pensar em uma sociedade sem médico-veterinário? Pode pensar em uma produção sem um zootecnista dando suporte à agropecuária? Queremos que a população entenda o nosso trabalho e a nossa importância, valorize e cobre! 

 

CV – Quais são os maiores desafios que a professora imagina que uma mulher enfrenta na presidência de um conselho de classe, tanto regional quanto federal?

AEA – Embora nós sejamos a maioria da população e também a maioria na medicina veterinária, o ambiente político, vamos colocar assim, ainda é muito masculino. Então, eu diria que o principal desafio é a gente conquistar esse espaço. Os homens têm uma forma de gerir muito diferente da da mulher. Como eu disse, nós, mulheres, temos capacidade de ouvir e de acolher, e, quando estamos na condição de presidente, essa habilidade causa uma certa estranheza; precisamos nos fazer ouvidas e respeitadas, e o que vai fazer com que nós consigamos isso é a nossa trajetória, as nossas competências e as nossas habilidades.

 

CV – Em 2022, o professor Felipe Wouk e sua equipe, na obra Demografia da medicina veterinária do Brasil 2022 constataram que as mulheres ocupavam mais de 55% do universo de profissionais da medicina veterinária. Como a senhora vê o papel da mulher nesse universo?

AEA – O último levantamento que fizemos no nosso sistema de cadastro mostra que as mulheres são 57,5% do total de profissionais da medicina veterinária no Sistema CFMV/CRMVs, e isso não se dá por acaso. O papel da mulher é salutar. Nós desempenhamos papéis fundamentais e contribuímos de maneira significativa em diversas áreas e especialidades. Ocupamos posições como médicas-veterinárias clínicas, cirurgiãs, pesquisadoras, professoras universitárias e especialistas em saúde pública e em conservação da vida selvagem, entre tantas outras áreas. Também desempenhamos papéis importantes em organizações de bem-estar animal, no resgate de animais em situações de emergência e em trabalhos de educação e conscientização sobre saúde animal, e não nos limitamos apenas às habilidades técnicas. Temos, como já disse anteriormente, uma abordagem mais empática e sensível no tratamento e no cuidado dos animais. Seja na prática clínica, na pesquisa, no ensino ou na gestão, temos demonstrado uma participação vital e crescente no campo da medicina veterinária, contribuindo para o avanço da profissão e para a diversificação de abordagens e cuidados aos animais, além de influenciar positivamente as próximas gerações de profissionais.

 

CV – Como a senhora vislumbra a medicina veterinária nos próximos anos e nas próximas décadas? Que mudanças a profissão deve enfrentar e como os profissionais devem se preparar para lidar com elas?

AEA – A medicina veterinária, bem como a zootecnia, precisa acompanhar as tendências e a evolução tecnológica e social. É importante destacar a aproximação e a interação da medicina veterinária com a medicina humana em amplo caminho de consolidação, principalmente com a manifestação cada vez mais evidente do diagnóstico de zoonoses. Vivemos e viveremos novos tempos, e, para acompanhar as mudanças que virão, o CFMV precisa estar à frente, acompanhando, estudando e antecipando as necessidades dos profissionais, do mercado e da sociedade. Investiremos recursos e esforços para apoiar os atuais profissionais e os futuros médicos-veterinários e zootecnistas em sua trajetória profissional, orientando, regulamentando e fiscalizando o exercício profissional. 

 

CV – Que orientações e sugestões a senhora pode oferecer aos jovens profissionais que estão entrando no mercado veterinário?

AEA – Que eles continuem buscando o aperfeiçoamento e a qualificação. A medicina veterinária tem mais de 80 áreas de atuação, e elas estão em constante evolução. Sabemos que existem diversos outros fatores, mas acreditamos que o que vai determinar a permanência no mercado e o sucesso profissional é a competência e a qualificação. Então, qualifique-se; invista em você e no seu futuro, e seja o melhor profissional que puder ser, respeitando sempre a ética e a moral profissional.

 

CV – Quais os planos de enfrentamento da nova diretoria em relação às escolas de medicina veterinária que já existem? Quais os planos em relação ao MEC no que se refere às novas escolas? Como está a situação do EaD na medicina veterinária?

AEA – Como já estamos fazendo, continuaremos o diálogo com o Ministério da Educação (MEC) e com as instituições de ensino. O processo de valorização e reconhecimento da profissão tem início na graduação. É importante que fique claro que o nosso objetivo não é fechar cursos ou impedir que novas turmas sejam abertas. A nossa preocupação é com a qualidade do ensino e com a qualificação que está sendo oferecida a esse futuro profissional, para que ele não coloque em risco a população. É inadmissível que tenhamos cursos a distância na área de saúde. E, nesse ponto, todo o sistema, e não só o Conselho Federal, é radicalmente contra isso.

As diretrizes curriculares nacionais dos cursos de medicina veterinária dizem que a prática é necessária. Então, não é possível haver um curso em que o aluno não tenha o treinamento em serviço, não pegue, não sinta. Estamos conversando com o MEC. Ainda na gestão passada, estivemos com o ministro Camilo Santana e levamos ao conhecimento dele o resultado de um estudo realizado pela nossa Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária (CNEMV), que culmina na qualidade dos profissionais que chegam ao mercado de trabalho, e apresentamos propostas do Sistema CFMV/CRMVs para a resolução ou a redução dos problemas elencados. O ministro se mostrou favorável a não haver cursos de medicina veterinária EaD e até convidou o conselho para compor com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) um grupo de trabalho para a discussão e a implantação de ações conjuntas para o fortalecimento, a valorização e a qualificação do ensino da medicina veterinária. Estamos confiantes em que vamos conseguir fazer uma boa articulação e elevar a qualidade do Ensino Superior em medicina veterinária.

 

CV – Qual o seu ponto de vista em relação ao processo educacional perante o desafio da incorporação da tecnologia digital e da inteligência artificial ao ensino, entre outras atualidades?

AEA – Entendemos as novas tecnologias como aliadas e não como ameaças. Recentemente, o CFMV aprovou a telemedicina veterinária, e ela tem auxiliado muito os colegas e os tutores. O que a gente precisa é entender como aquela tecnologia pode auxiliar no processo. Se a inteligência artificial pode acelerar um diagnóstico, se ela pode oferecer ao profissional mais estatísticas, mais ferramentas e funcionalidade, tudo dentro da ética profissional e dos princípios morais, por que não fazermos uso dela? A cautela e a ética continuarão sendo preponderantes para a incorporação das novas tecnologias e de todos os artefatos digitais que surgem no mundo moderno para incrementar a rotina dos médicos-veterinários e zootecnistas. 

 

CV – O CFMV havia estabelecido um programa de acreditação voluntária de cursos de graduação e de residência que foram descontinuados, e eram programas de sucesso. Por que esses cursos foram descontinuados? 

AEA – Considerando que nos últimos anos temos estreitado o relacionamento com o MEC visando a melhora dos padrões de qualidade da educação com ênfase em cenários de aprendizagem e a formação de profissionais mais capacitados para atender às demandas sociais, entendemos que o programa de acreditação precisará acompanhar essas tratativas e evoluções, e quando for o momento poderá, quem sabe, ser retomado. 

 

CV – O CRMV-SP vem adotando um programa de acreditação de cursos de graduação também com sucesso. Quais são os aspectos que devem ser considerados para programas como esse nas regionais e no CFMV?

AEA – Considerando que nos últimos anos temos estreitado o relacionamento com o MEC visando a melhora dos padrões de qualidade da educação, com ênfase em cenários de aprendizagem e na formação de profissionais mais capacitados para atender às demandas sociais, entendemos que o programa de acreditação precisará acompanhar essas tratativas. 

 

CV – Quais os planos de enfrentamento da nova diretoria em relação às parcerias com as casas legisladoras para a situação do ensino da medicina veterinária? O exame de ordem pode vir a ser possível? 

AEA – Criaremos a Frente Parlamentar da Medicina Veterinária e da Zootecnia para nos auxiliar nessa articulação. Já temos alguns deputados e senadores sensíveis às causas, e a nossa Frente Parlamentar atuará para ampliar essa conexão. Queremos fazer retornar o exame de proficiência nos moldes da OAB. Isso vai fazer com que o CFMV participe das avaliações do MEC na autorização de novos cursos e na abertura de vagas. 

Hoje temos um termo de colaboração com o MEC, e a nossa Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária (CNEMV) avalia alguns cursos, só que se trata de uma avaliação consultiva, e não deliberativa. Entendemos que o CFMV, como órgão de fiscalização, precisa atuar desde o início da formação profissional, ou seja, da educação e do aluno, bem como do profissional em atuação no mercado brasileiro.