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O diagnóstico da leishmaniose visceral canina nos serviços público e privado

Os cuidados com a interpretação dos testes de imunocromatografia, imunofluorescência indireta e Elisa

Matéria escrita por:

Aldair Junio Woyames Pinto, Vitor Marcio Ribeiro

2 de set de 2015

Exame parasitológico para leishmaniose visceral canina (LVC). Resultado positivo: presença de formas amastigotas de Leishmania Exame parasitológico para leishmaniose visceral canina (LVC). Resultado positivo: presença de formas amastigotas de Leishmania

O diagnóstico da leishmaniose visceral canina (LVC) é complexo e desafiador para o clínico veterinário, uma vez que não existem testes com 100% de sensibilidade e especificidade e que sejam capazes de detectar o período de infecção/doença. Os métodos sorológicos podem apresentar resultados divergentes quando realizados em inquéritos epidemiológicos por instituições públicas e laboratórios privados. Essas divergências estão associadas principalmente às diferenças entre técnicas, protocolos e padronizações utilizados por cada laboratório.

O Ministério da Saúde (MS), por meio de nota técnica conjunta n. 01/2011 – CGDT-CGLAB/DEVITS/SVS/MS, substituiu o protocolo diagnóstico estabelecido pelo Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral Canina (PVC – LV) em todo o território nacional. Antes, o diagnóstico sorológico do sistema público de saúde era realizado por meio do ensaio imunoenzimático (Elisa) como triagem e confirmado pela reação de imunofluorescência indireta (Rifi). Desde 2011, esse diagnóstico passou a ter como método de triagem o teste rápido imunocromatográfico em dupla plataforma (DPP®), que, quando positivo, é confirmado pelo Elisa 1-3. A nota técnica classifica esse novo modelo como mais rápido e prático, além de utilizar pequeno volume de amostra para sua realização. Ainda acrescenta que o Elisa, como teste confirmatório, permite uma análise automatizada, diminuindo a subjetividade da leitura, presente na Rifi. Para finalizar, o documento estabelece que todas as Secretarias de Estado da Saúde do Brasil deveriam adotar gradativamente essa mudança até o final do ano de 2012, passando por treinamentos junto ao laboratório produtor1. Para o setor público, houve grande avanço na qualidade do diagnóstico laboratorial da LVC junto à população, para os inquéritos sorológicos. Definiu-se que o teste rápido seria realizados no momento da coleta e, quando positivo, a amostra seria encaminhada para confirmação por meio do Elisa. De acordo com o MS, esses testes seriam continuamente avaliados por parâmetros como: (1) sensibilidade e especificidade, (2) valor preditivo, (3) reprodutibilidade, (4) multiplicidade, (5) facilidade e (6) exequibilidade1.

Trabalhos publicados utilizando o DPP® demonstraram a efetividade do novo modelo para inquérito epidemiológico e diagnóstico em massa4-6. Dentre os trabalhos, as principais vantagens apresentadas foram: (1) especificidade e sensibilidade elevada, principalmente em cães sintomáticos; (2) facilidade no manuseio do teste e agilidade no resultado; (3) redução de custos com mão de obra laboratorial4-7. Entretanto, algumas desvantagens também foram apontadas: (1) resultado qualitativo, ou seja, não expressa real titulação de anticorpos; (2) sensibilidade reduzida em cães assintomáticos; (3) possíveis interferências ambientais como temperatura e incidência de luz no resultados do teste8-10. Considerandos esses aspectos, esse novo modelo diagnóstico se mostra como opção para inquérito epidemiológico de cães soropositivos para LVC, principalmente do ponto de vista de custo-benefício. A agilidade e a facilidade do novo modelo, utilizando testes altamente específicos, é muito atrativa, principalmente quando se deseja realizar exames em grande número de cães9.

Com a introdução desse métodos de teste rápido na rede pública, laboratórios privados produtores de outros testes rápidos utilizando antígenos variados de Leishmania infantum começaram a disponibilizá-los no mercado para uso rotineiro nas clínica veterinárias, após o devido registro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Esses testes contribuem como métodos de triagem, mas devem ser interpretados com cuidado, uma vez que são testes qualitativos e têm menor sensibilidade, podendo aumentar o número de resultados falso-negativos, quando comparados aos modelos quantitativos como Rifi e Elisa. É importante que os clínicos veterinários que trabalham em conjunto com laboratórios privados tenham consciência da necessidade da inclusão de testes quantitativos, tendo o Rifi sempre com sua diluição plena e o registro da leitura da absorbância do Elisa, geralmente não descrita nos resultados emitidos pelos laboratórios, com seu respectivo ponto de corte. Além disso, os médicos-veterinários devem sempre buscar a associação dos testes sorológicos qualitativos e quantitativos com os parasitológicos e moleculares, a fim de detectarem o potencial infectante dos animais infectados, bem como sua carga parasitária, aspectos importantes no diagnóstico e no manejo da LVC10.

Assim, resumidamente, temos:

1. Do ponto de vista diagnóstico, os testes qualitativos imunocromatográficos como o DPP® são importantes como triagem na seleção de casos positivos. Entretanto, têm sensibilidade variada em cães assintomáticos5,11, favorecendo o surgimento de resultados falso-negativos;

2. Pelos clínicos veterinários, o diagnóstico preferencialmente deve ser realizado utilizando testes sorológicos, parasitológicos e moleculares. Para os testes sorológicos, é importante que o animal seja submetido não somente ao teste qualitativo, mas também aos quantitativos (Rifi em diluição plena e Elisa com sua leitura e ponto de corte), pois a titulação sorológica esclarece dúvidas sobre possíveis reações cruzadas e títulos inespecíficos 9-11.

3. É desejável que o clínico veterinário não utilize testes imunocromatográficos para confirmação diagnóstica positiva ou negativa, evitando vacinação de animais falso-negativos ou tratamentos e até mesmo eutanásia de animais falso-positivos. Para essas tomadas de decisão, devem ser realizados outros testes, de preferência quantitativos, parasitológicos ou moleculares.

 

Referências

1-MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde – Coordenação Geral de doenças transmissíveis – Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública: Nota Técnica Conjunta n. 001/2001: Esclarecimentos sobre substituição do protocolo diagnóstico da Leishmaniose Visceral Canina (LVC), Ministério da Saúde, 2011.

2-LIRA, R. A. ; CAVALCANTI, M. P. ; NAKAZAWA, M. ; FERREIRA, A. G. P. ; SILVA, E. D. ; ABATH, F. G. C. ; ALVES, L. C. ; SOUZA, W. V. ; GOMES, Y. M. Canine visceral leishmaniasis: A comparative analysis of the EIE-leishmaniose-visceral-caninca-Bio-Manguinhos and the IFI-leishmaniose-visceral-canina-Bio-Manguinhos kits, Veterinary Parasitology, v. 137, p. 11-16.

3-BIO-MANGUINHOS: Instituto de Tecnologia em Imunodiagnósticos. Leishmaniose Visceral Canina. Teste Rápido qualitativos para detecção de anticorpos para cão com Leishmania. Bio-Manguinhos. Rio de Janeiro, 2011.

4-GRIMALDI, G. JT. ; TEVA, A. ; FERREIRA, A. L. ; DOS SANTOS, C. B. ; PINTO, I. S. ; DE-AZEVEDO, C. T. ; FALQUETO, A. Evaluation of a novel chromatographic immunoassay based on Dual-Path Platform technology (DPP® CVL reapid test) for the serodiagnosis of canine visceral leishmaniasis. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, v. 106, p. 54-59, 2012.

5-SILVA, D. A. ; MADEIRA, M. F. ; ABRANTES, T. R. ; FILHO, C. J. L. B. ; FIGUEIREDO, F. B. Assessment of serological tests for the diagnosis of canine visceral leishmaniasis. The Veterinary Journal, v. 195, p. 252-253, 2013.

6-LAURENTI, M. D. ; DE SANTA LEANDRO, JR. M. V. ; TOMOKANE, T. Y. ; DE LUCCA, H. R. L. ; ASCHAR, M. ; SOUZA, C. S. F. ; SILVA, R. M. ; MARCONDES, M. ; DA MATTA, V. L. R. Comparative evaluation of the DPP® CVL rapid test for canine serodiagnosis in area of visceral leishmaniasis. Veterinary Parasitology, v. 205, p. 444-450, 2014.

7-MOHEBALI, M. ; TARAN, M. ; ZAREI, Z. Rapid detection of Leishmania infantum infection in dogs: comparative study using an immunochromatographic dipstick rk39 test and direct agglutination. Veterinary Parasitology, v. 121, p. 239-245, 2004.

8-SCHALLIG, H. ; CANTO-CAVALHEIRO, M. ; SILVA, E. Evaluation of the direct agglutination test and the rK39 dipstick test for the serodiagnosis of visceral leishmaniasis. Memórias Instituto Oswaldo Cruz, v. 97, p. 1015-1018, 2002.

9-MAIA, C. ; CAMPINO, L. Methods for diagnosis of canine leishmaniasis and immune response to infection. Veterinary Parasitology, v. 158, p. 274-287, 2008.

10-SOLANO-GALLEGO, L. ; MIRÓ, G. ; KOUTINAS, A. ; CARDOSO, L. ; PENNISI, M. G. ; FERRER, L. ; BOURDEAU, P. ; OLIVA, G. ; BANETH, G. LeishVet guidelines for the practical management of canine leishmaniosis. Parasites & Vectors, v. 4, p. 86, 2011.

11-RIBEIRO, V. M. ; SILVA, S. M. ; MENZ, I. ; TABANEZ, P. ; NOGUEIRA, F. S. ; WERKHAÜSER, M. ; FONSECA, A. L. S. ; DANTAS-TORRES, F. Control of visceral leishmaniasis in Brazil: recomendations from Brasileish. Parasite & Vectors, v. 6, p. 8, 2010.