
O abrigamento emergencial para animais pós-desastres é sempre um desafio e um dos componentes mais críticos nas fases de resposta e recuperação.
Nesse aspecto, os veterinários desempenham um papel importante na escolha, construção e gerenciamento desses abrigos, sendo os únicos profissionais capacitados a planejar e fornecer os cuidados essenciais para a manutenção da saúde e bem-estar, para que haja um devido controle dos riscos e das possíveis infecções, por meio da implantação de medidas de biossegurança e da promoção de boas práticas.
Os abrigos emergenciais pós-desastres para cães e gatos podem ser classificados como:
• Abrigo animal adjacente/colocalizado: próximo ao abrigo humano, permitindo que os tutores cuidem de seus animais;
• Abrigo animal temporário: local destinado apenas para animais, que ficam separados dos tutores;
• Abrigo humano/animal coabitado: animais abrigados junto com suas famílias.
A escolha do tipo de abrigamento e de abrigo depende de uma serie de fatores, e todas essas decisões devem ser tomadas de forma célere e estratégica e, por isso, os gestores devem ter preparo para poder planejar a ações de forma efetiva.
Algumas ações são essenciais e devem ser anteriores ao abrigamento, sendo que se não houver preparo, as ações de resgate podem ser gravemente comprometidas.
As ações que não podem ser ignoradas dentro de um manejo de animais em situações de desastres são:
• Cadastro prévio dos animais que vivem em áreas de risco (com registro, fotos e microchipagem);
• Implementação de um sistema de controle sanitário (vacinação e desverminação) e controle reprodutivo (castração) dos animais;
• Simulações e treinamentos com a população sobre resposta a alertas, evacuação e cuidados com animais durante uma emergência;
• Definição prévia de possíveis locais para abrigamento de animais (lares temporários, clínicas, hotéis, abrigos públicos, ONGs, UVZs, etc);
• Disponibilidade de recursos: fundo financeiro, insumos, estruturas e equipamentos.
O local destinado ao abrigamento de animais deve ser adequado e de tamanho compatível com o número de animais esperado, evitando assim alta densidade, promovendo e garantindo a saúde, a segurança e o bem-estar de animais e pessoas.
Os critérios para a escolha de um abrigo emergencial fazem parte de outro tópico essencial que o gestor veterinário precisa ter em mente e devem ter como características:
• Estar totalmente desocupado;
• Permitir fácil acesso;
• Estar fora e longe das áreas de risco (zona quente);
• Apresentar espaço amplo para evitar densidade grande;
• Iluminação e ventilação adequadas;
• Entrada e saída de fácil acesso para casos de emergência;
• Possuir extintores de incêndio em estado e em quantidades adequadas;
• Acesso a água e energia sem restrição;
• Boa drenagem de água e esgoto;
• Pisos que permitam limpeza e desinfeção;
• Boa cobertura contra intempéries como sol, chuva, vento e frio;
• Apresentar a possiblidade de separação em áreas (quarentena, isolamento, canil, gatil, etc);
• Banheiros, refeitório, vestiário, almoxarifado e salas administrativas;
• Ser totalmente à prova de fugas (ter portas, portões, cercas, paredes).
A manutenção de animais junto aos seus tutores em abrigos coabitados apresenta vantagens e desvantagens.
Vantagens da manutenção de animais junto aos tutores em abrigos
• Animais supervisionados e alimentados pelo tutor;
• Manutenção do vínculo;
• Evita-se o abandono;
• Reforça a guarda responsável;
• Auxilia psicologicamente crianças e adultos que perderam familiares;
• Evita o estresse da separação humana e animal;
• Restringe a circulação de animais, evitando a presença de cães sem tutores, diminuindo a ocorrência de zoonoses;
• Permite o controle ambiental de roedores.
Desvantagens da manutenção de animais junto aos tutores em abrigos
• Ainda não é aceito pela maioria dos órgãos de defesa civil e de saúde;
• Exige cuidados extras com limpeza e descarte de dejetos;
• Aumenta o risco de zoonoses se não for executado devidamente;
• Pode atrair roedores em busca de alimentos se não for devidamente planejado;
• Existe equipe multidisciplinar;
• Pode ocasionar brigas e desavenças entre as pessoas abrigadas, caso não seja devidamente planejado e executado, em função de ruídos e sujidades;
• Pode resultar em menor quantidade disponível para animais, se não for devidamente planejado.
Abrigos coabitados precisam de apoio técnico e gerenciamento de equipes veterinárias e têm que seguir regras de boas práticas, como:
• As áreas para animais devem ser separadas das áreas sem animais. As famílias que têm animais devem ficar próximas e as que não gostam dessa convivência devem ser alocadas em local mais isolado, para não haver conflitos;
• Todas as pessoas precisam conhecer e seguir as regras, que devem ser inflexíveis;
• Todos os animais devem ser cadastrados logo na entrada;
• Todos os animais devem ser registrados e identificados com foto, microchip, coleira e plaquetas;
• Os protocolos de vacinação e desverminação devem seguir as recomendações internacionais da WSAVA e Shelter medicine association;
• Os animais devem ser alimentados em locais específicos, em horários específicos seguindo as regras de higiene;
• O local deve permitir a devida coordenação logística para o armazenamento e a utilização de ração, insumos e donativos;
• A limpeza e a desinfecção ambiental devem empregar amônia quaternária e/ou hipoclorito de sódio;
• O espaço deve proporcionar áreas de soltura e interação, e permitir separar animais por categorias (sexo, idade, porte, temperamento) em área adjacente. Deve-se evitar ao máximo a utilização de correntes e guias;
• É fundamental organizar, distribuir e cobrar tarefas de tutores e de voluntários que envolvam passeios, banhos e brincadeiras.
Nos abrigos exclusivos para animais, todas as regras de biosegurança e implementação de boas práticas devem ser seguidas.
Conclusões e recomendações
Os gestores e veterinários envolvidos em ações de desastres devem ter em mente que todas as ações de implementação e gerenciamento de um abrigo pós-desastre requerem planejamento, pessoas capacitadas e investimento.
Os órgãos governamentais precisam garantir a infraestrutura adequada e deve haver cooperação todos os entes da sociedade. Todos os abrigos emergenciais devem ter um plano de desmobilização, com estratégias bem definidas de saída e fechamento.
O objetivo final deve ser a recolocação dos animais em famílias responsáveis, priorizando o bem-estar animal e a recuperação da sociedade.
Referências sugeridas
VERMA, S. ; PREM, H. T. Management of animals in disasters. 1. ed. 2022
PALMER, S. B. ; WINGFIELD, W. E. Veterinary disaster response. ISBN 978-0-8138-1014-0