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Inclusividade

Ronaldo Novoa do Instituto Reddogs

Preparo de cães de assistência e para intervenções assistidas

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

11 de set de 2025

Ronaldo Novoa Ronaldo Novoa

Iníciamos nesta edição a coluna Inclusividade, que aborda os mais variados temas relacionados à medicina veterinária e a pessoas com deficiência.

O dia 9 de setembro celebra o médico-veterinário e o dia 21 de setembro, o da pessoa com deficiência. Em 2025 comemora-se os 20 anos da lei do cão-guia (lei 11.126/2005 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11126.htm). Nesta edição, celebramos esses eventos, ressaltando a importância do médico-veterinário conhecer e participar ativamente das diversas questões relacionadas com a inclusividade.

O médico-veterinário é o único profissional que pode avaliar e garantir a saúde desses animais. Ele é responsável por fazer uma avaliação cuidadosa, tanto no período de formação como no de manutenção, para que o animal que trabalhará na assistência esteja apto e saudável em todos os aspectos, considerando também seu bem-estar.

Esta coluna objetiva trazer informações sobre temas relacionados com inclusividade, visto que em nosso país há uma grande carência de cães-guia e de assistência. Algumas terminologias e informações são desconhecidas por muitos profissionais e serão apresentadas para valorizar o papel que médicos-veterinários têm dentro desse nicho crescente em nosso país.

Nesta edição, Ronaldo Novoa do Instituto Reddogs (https://institutoreddogs.org.br/), fundado há 3 anos com o objetivo de preparar cães de assistência e para intervenções assistidas, fala a respeito de como o instituto proporciona inclusão social, autonomia e qualidade de vida para pessoas atípicas e para suas famílias, além de promover o bem-estar desses animais e o convívio saudável entre animais e seres humanos.

Agradecemos ao Ronaldo pela disponibilidade de compartilhar sua experiência conosco e desejamos que se criem mais bases para essas atividades tão importantes e que passam despercebidas por tantos médicos-veterinários.

 

Clínica Veterinária (CV) – Quando você começou a trabalhar com terapia assistida por animais (TAA)? Pode nos contar um pouco sobre o seu trabalho?

Ronaldo Novoa (RN) – Comecei há cerca de 30 anos como adestrador, pois queria resolver alguns problemas com o meu cão na época, e desde então segui me aprimorando. Com terapia assistida com animais (TAA) ou intervenções assistidas com animais, lido há 15 anos, a partir do trabalho e orientação da dra. Liana Santos do Gati, que me apresentou o mundo maravilhoso de trabalho e prestação de serviço com cães, bem como com outros animais como gatos, coelhos, serpentes, tartarugas e cavalos. A partir desse trabalho montamos o Instituto Reddogs para poder padronizar e qualificar mais esses serviços tão importantes para a sociedade.

 

CV – Quais são as categorias de cães para trabalho envolvendo pessoas com deficiência?

RN – Podemos dividir em grupos. Cães de serviço são todos os cães que desde pequenos foram selecionados e treinados, tanto físicao como comportamentalmente para exercer uma função com determinada pessoa até o final de sua vida. Nesse grupo temos o cão-guia, que é aquele destinado a pessoa com deficiência visual; cães de assistência, que são aqueles destinados a autistas, a pessoas com mobilidade reduzida, a pacientes diabéticos, a pacientes que possam sofrer algum tipo de convulsão e pacientes com enfermidades oncológicas. Esses animais passam por um treinamento para que possam exercer sua função. O animal de apoio emocional não necessariamente precisa ser um cão, e pode ser qualquer animal cujo laudo médico autorize-o a ser empregado para apoio para pacientes. Um problema importante em casos assim é que nem sempre esse animal está preparado a viver em sociedade, por não ter passado por capacitação como os citados anteriormente. Há ainda animais empregados em intervenções assistidas, quando animais são utilizados para prestar algum tipo de serviço à sociedade, como um cavalo na equoterapia, ou um cão, gato ou coelho levado a um hospital ou a um orfanato para atividades assistidas por animais, educação assistida por animais e a terapia assistida por animais. Atividades assistidas por animais abrangem atividades mais lúdicas e que, muitas vezes não envolvem a busca por resultados ou uma equipe multidisciplinar, sendo realizadas por qualquer pessoa que tenha um animal dócil e saudável, e leve-o a um hospital para beneficiar pacientes. Na educação assistida por animais no meio escolar, objetiva-se um cunho educativo e, nesse caso, se faz necessária uma equipe multidisciplinar voltada à educação e a mensuração de resultados. A terapia assistida por animais segue a mesma linha da educação assistida por animais, pois requer uma equipe multidisciplinar e a mensuração de resultados, sendo geralmente instituída em clínicas de reabilitação.

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Ronaldo Novoa e Mary Andersen, instrutora de cães de assistência, no Centro de Treinamento Golden Paws. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Por que você escolheu trabalhar especificamente com cães de assistência? Como funciona?

RN – Comecei por conta do meu cão e aos poucos fui enveredando na área de agility. Em seguida treinei cães para defesa, procura de entorpecentes e pólvora, e há 15 anos tive contato com as intervenções assistidas por animais, pelas quais me apaixonei e a cada dia venho me aprimorando. Fui aos Estados Unidos buscar mais informações nos centros de referência Canine companions (https://canine.org/), Golden Paws (https://goldenpaws.org/), Dogs for Live (https://www.dogsforlifevb.org), Patriot Service Dogs (https://www.patriotservicedogs.org) e Valor Service Dogs (https://www.valorservicedogs.org) a fim de replicar meu aprendizado no Brasil e é o que tenho feito no Instituto Reddogs.

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Ronaldo Novoa no Centro de treinamento de cães assistência para autismo e TEPT. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Quais são as etapas para o treinamento de um cão de assistência?

RN – O processo se inicia na seleção de pais para acasalamento, visando temperamentos específicos. A observação durante a amamentação permite avaliar, por exemplo, se o filhote compete com os demais filhotes ou se é mais tranquilo ou mesmo apático. São características que já são levadas em consideração para escolha do animal e sua função. Desde o 45º dia de vida até 3 meses de idade é realizada a socialização primária, assim como todos os cuidados pertinentes a um filhote e, em seguida, se inicia a socialização secundária, que é a apresentação do mundo ao animal. Ele é colocado em contato com objetos como bolas, guarda-chuvas, vassouras, cadeiras de rodas, bengalas, entre outros, e locais como restaurantes, carros, ônibus e aviões, bem como luzes, odores, e pessoas das mais diferentes estaturas, gêneros, idades e características, na maior janela possível de socialização. O treinamento específico se inicia por volta dos 6 meses de idade e conforme observamos o comportamento do animal, o direcionamos e estimulamos seu treino. Quando nos deparamos com um animal que traz objetos com facilidade, consideramos direcioná-lo para ser um cão de assistência a cadeirantes ou a pessoas com algum tipo de mobilidade reduzida. Cães mais protetores podem ser direcionados a trabalhar com pessoas que apresentem perfis suicidas. Após esse período, há o direcionamento desses animais para famílias socializadoras que apresentarão o animal ao mundo. 

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Berçário de filhotes da Southern Guide Dogs. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Como você seleciona e direciona um cão para atuar em cada tipo de deficiência? 

RN – O cão nos mostra a sua aptidão de acordo com o treinamento e assim o direcionamos para cada pessoa ou necessidade. Direcionamos um cão a partir das pessoas interessadas e de suas necessidades que temos no banco de dados do instituto. Dentro do processo realizam-se entrevistas e treinamentos com a família, visitamos sua casa para confirmação da possibilidade do animal trazer benefícios à pessoa interessada, bem como a saúde daquele animal, que também é de suma importância.

 

CV – Qual o papel do médico-veterinário no treinamento e na manutenção da saúde desses cães? Qual é a importância da castração desses animais?

RN – O médico-veterinário é fundamental no processo, assim como o adestrador capacitado, pois esse cão deverá passar por avaliações semestrais quanto a sua genética, comportamento, hormônios, exames de imagem e laboratoriais, para que se possa identificar, por exemplo, uma displasia coxofemural ou de cotovelo, uma propensão a cálculos renais ou qualquer alteração que possa futuramente prejudicar esse animal. Cães que apresentem quaisquer necessidades de cuidados são desligados do programa e direcionados à vida de animal de estimação. Com relação à castração, e junto aos três veterinários do instituto, acompanhamos individualmente os animais para obtermos informações que nos mostrem o momento ideal para a castração, em função da importância dos hormônios na formação de órgãos e tecidos, para termos o menor impacto possível na vida desses animais e poder oferecer o melhor cão às pessoas que precisam desses animais.

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Apolo, pastor australiano de um ano em treinamento, devidamente identificado. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Como você garante o bem-estar e a saúde dos cães durante o treinamento e como ocorre o acompanhamento após sua entrega?

RN – No Instituto buscamos oferecer alimentação e água da melhor qualidade, bem como atividades físicas e mentais, avaliações semestrais dos médicos-veterinários e a avaliação das famílias necessitadas, gerando critérios a partir de comportamento, cultura, educação, hábitos sociais, incluindo o tratamento entre os familiares, as condições da casa, o saneamento básico, as condições financeiras para manutenção do animal, seguida de entrevista com psicólogos e assistente social. Ao entregar um cão, se faz necessária a revalidação anual do animal para análise do processo de socialização assim como da sua saúde. Há um contrato entre o Instituto e a família, no qual consta que o cão pertence ao Instituto mas a família tem sua posse para que, havendo qualquer alteração nas condições que inviabilizem sua continuidade naquela família, o Instituto possa retomar o animal a fim de garantir seu bem-estar.

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Treinamento dos pastores australianos Aquiles, Padme e Anakim, socializando no CMO Summit. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Existem protocolos específicos a serem seguidos?

RN – Temos um processo bem criterioso. Inicialmente, as famílias interessadas preenchem um formulário com cerca de 100 questões, para possibilitar uma triagem. Em seguida são feitas entrevistas. Após essa fase, há um treinamento de um mês de duração com a família e o cão, para que se possa então deixá-lo de forma permanente com essa família. Até hoje já entregamos mais de 50 cães no Brasil, sem contar aqueles que foram ao exterior, e nenhum deles precisou ser retomado ou trocado, o que nos mostra que estamos no caminho mais adequado.

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Simba, pastor australiano treinado para assistência. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Quais são os principais desafios que você enfrenta ao treinar esses cães e como você os supera?

RN – O primeiro grande desafio, sem dúvida, é o financeiro. Havendo mais patrocínio e apoiadores, tanto da parte privada como do governo, seria possível realizar muito mais, pois essas ações demandam muitos custos. Se eu obtiver mais investimentos, sem dúvida conseguirei ajudar muito mais pessoas. O segundo grande desafio é a falta de legislação no Brasil. Sem a padronização do processo, nos deparamos com diversos casos de cães que são entregues como capacitados para determinada atividade mas que não passaram por todos os processos necessários a ela, e isso prejudica tanto a pessoa/família que o adquiriu como também a atividade que realizamos tão seriamente. Entendo que a situação atual faz parte de um processo pois vivemos o início das atividades e aos poucos será possível oficializá-las e promover mais saúde, bem estar e inclusão a todos.

 

CV – Você já testemunhou mudanças significativas na vida de um usuário? Poderia compartilhar conosco?

RN – Ah, já tivemos muitos casos que nos marcaram, pois cada um gera algo especial. Posso relatar a família de um autista que, a partir da chegada do cão ficou mais calmo e passou a desenvolver mais a fala. Recentemente recebi um feedback de uma mãe cujo filho passou a melhorar em sua interação, houve diminuição da necessidade de sessões de terapias e de medicações, e isso é muito importante para nós. Um menino com hiperfoco em entortar talheres cujas crises vinham se agravando, tem hoje como foco o cão e vem se tornando mais calmo, o que permite melhor inclusão social. Existem casos que demandam longo tempo para que a interação ocorra, mas quando ela se inicia é maravilhosa, pois proporciona a todos os envolvidos muito mais saúde, bem-estar e inclusão, que é o nosso objetivo sempre.

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Atividade assistida de Alaska, husky siberiana de 3 anos, acompanhando uma criança, em parceria com a Weasy Dog e com Michelle Oliveira, voluntária do Instituto Reddogs. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Como é seu trabalho em relação aos demais profissionais envolvidos como o médico-veterinário e o terapeuta?

RN – Estamos iniciando esse trabalho no Brasil e na fase de conscientização dos profissionais envolvidos, seja aqueles da medicina veterinária ou os da medicina humana, e a iniciativa desta coluna, sem dúvida, ajudará muito nessa conscientização. Aqui no instituto temos médicos-veterinários, adestradores, psicólogas e assistentes sociais para esse processo.

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Zeus, pastor australiano de 10 meses, em atividade assistida em escola especializada em neuro atípicos. Créditos: Ronaldo Novoa

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CV – Como você vê a situação em relação aos cães de assistência no Brasil hoje e no futuro?

RN – Eu sou um sonhador, e há cerca de um ano tenho desenvolvido um trabalho mais próximo a vereadores e deputados para que essas atividades sejam mais profissionalizadas, evitando a banalização do cão de assistência, independentemente de qual for a entidade que venha a desenvolver esse serviço. Quanto mais rapidamente estabelecermos normas, mais promissor será o futuro, tanto para a atividade com cães quanto em relação ao benefício que as pessoas obterão, o que trará melhoras para a sociedade.

 

A coluna Inclusividade convida os leitores a enviar comentários e sugestões sob o título Inclusividade para o email [email protected]