Gestão técnica de estabelecimentos veterinários: conformidade com a Resolução CFMV nº 1.275/2019
Isso é questão de gestão!

Introdução
A evolução do mercado veterinário brasileiro, marcada pelo aumento da concorrência e pela necessidade crescente de adequação regulatória, transformou a gestão de estabelecimentos médico-veterinários em um desafio complexo e multifacetado. Nesse cenário, a Resolução CFMV nº 1.275/2019 desponta como um marco regulatório fundamental, estabelecendo parâmetros específicos para o funcionamento de estabelecimentos voltados ao atendimento de animais de estimação de pequeno porte.
Este artigo oferece aos médicos-veterinários gestores orientações essenciais para a gestão técnica, explorando os desafios administrativos cotidianos e apresentando soluções alinhadas à legislação profissional. A análise fundamenta-se na Lei nº 5.517/68, que regulamenta o exercício da medicina veterinária, e na Resolução CFMV nº 1.562/2020, que especifica as responsabilidades técnicas da profissão.
A Resolução CFMV nº 1.275/2019 constitui um avanço significativo no setor, ao especificar requisitos mínimos para cada categoria de estabelecimento – desde ambulatórios até hospitais veterinários completos. O descumprimento dessas exigências pode resultar em penalidades, além de comprometer a qualidade assistencial e a segurança dos pacientes.
Para uma gestão eficaz, é imprescindível que o médico-veterinário compreenda profundamente as diretrizes da Resolução CFMV nº 1.275/2019, integrando-as às práticas gerenciais cotidianas para assegurar conformidade legal, eficiência operacional e excelência no atendimento.
Ferramentas de gestão aplicadas ao atendimento da Resolução CFMV nº 1.275/2019
A implementação efetiva da Resolução CFMV nº 1.275/2019 demanda ferramentas gerenciais estruturadas. O processo inicia-se com um diagnóstico minucioso do estabelecimento, confrontando a estrutura existente ou a ser empreendida com as exigências normativas, preferencialmente utilizando um checklist abrangente para identificação de não conformidades.
Esse diagnóstico inicial, contudo, representa apenas o primeiro passo. Um sistema de gestão completo deve contemplar:
● Mapeamento de processos: documentação sistematizada de todos os fluxos operacionais, do agendamento de consultas às intervenções cirúrgicas e internações.
● Indicadores de desempenho: métricas que permitam avaliar a evolução da conformidade normativa e a qualidade assistencial.
● Sistema de gestão da qualidade: metodologia para padronização de processos e melhoria contínua.
● Capacitação da equipe: treinamento sistemático sobre a relevância da Resolução e seu impacto nas atividades diárias.
Análise dos principais pontos do checklist de conformidade diante do que normatiza a Resolução CFMV nº 1.275/2019
1. Tipo de estabelecimento
Artigos relevantes: 3º (Ambulatórios), 5º (Consultórios), 8º (Clínicas), 10º (Hospitais)
● Verificar a classificação correta do estabelecimento conforme a Resolução, considerando serviços oferecidos e infraestrutura disponível. É fundamental assegurar que a classificação reflita precisamente a realidade operacional do estabelecimento.
2. Infraestrutura
Artigos relevantes: 4º (Ambulatórios), 7º (Consultórios), 9º (Clínicas), 11º (Hospitais)
● Avaliar a existência e condições dos ambientes e equipamentos exigidos pela normativa, verificando se estão em pleno funcionamento e adequada conservação. É essencial confirmar se a infraestrutura corresponde ao porte e perfil de atendimento proposto pelo estabelecimento.
3. Setor de sustentação (Clínicas e hospitais)
Artigos relevantes: 9º, VI (Clínicas), 11º, IX (Hospitais)
● Verificar a adequação dos setores de apoio necessários para garantia de higiene, segurança e bem-estar de animais e profissionais. Em caso de terceirização de serviços como lavanderia, é imprescindível confirmar a formalização contratual em conformidade com as exigências normativas.
4. Setor cirúrgico (Clínicas e hospitais habilitados)
Artigos relevantes: 9º, VII (Clínicas), 11º, VII (Hospitais)
● Avaliar a disponibilidade e adequação dos equipamentos e materiais necessários para procedimentos cirúrgicos seguros e de qualidade. É fundamental verificar a existência e a efetividade dos protocolos de higiene, esterilização e a conformidade da sala cirúrgica com as especificações normativas.
5. Setor de internação (Clínicas e hospitais habilitados)
Artigos relevantes: 9º, VIII (Clínicas), 11º, VIII (Hospitais)
● Verificar a disponibilidade e condições dos equipamentos e materiais destinados à internação segura e adequada dos pacientes. É essencial assegurar que as acomodações proporcionem conforto e bem-estar, e que o estabelecimento disponha de sala de isolamento apropriada para casos de doenças infectocontagiosas.
6. Setor de Diagnóstico (Hospitais)
Artigo relevante: 11º, VI
● Avaliar a disponibilidade e funcionamento dos equipamentos e materiais necessários para exames diagnósticos, garantindo precisão e segurança nas avaliações. É necessário certificar-se de que a estrutura laboratorial mínima seja suficiente para atendimento de emergências, conforme estabelecido na Resolução.
Práticas para controle contínuo das condições previstas na Resolução
A manutenção da conformidade com a Resolução CFMV nº 1.275/2019 requer um sistema de monitoramento permanente. Recomenda-se:
Plano de ação estruturado: desenvolver estratégias com metas, prazos e responsáveis para cada não conformidade identificada, permitindo um acompanhamento sistemático da evolução das correções necessárias.
Capacitação contínua: assegurar que a equipe compreenda plenamente a Resolução e suas implicações práticas, por meio de treinamentos regulares e atualizações sobre mudanças normativas relevantes.
Monitoramento por indicadores: implementar métricas objetivas para acompanhar a evolução da conformidade, estabelecendo parâmetros claros que permitam avaliar o progresso ao longo do tempo.
Auditorias periódicas: realizar verificações sistemáticas para identificar falhas e oportunidades de melhoria, criando um ciclo contínuo de avaliação e aperfeiçoamento dos processos.
Registro de não conformidades: documentar ocorrências e respectivas ações corretivas e preventivas, criando um histórico que facilite a identificação de padrões e a implementação de soluções definitivas.
Revisão de processos: estabelecer ciclos de avaliação dos procedimentos internos, garantindo sua adequação contínua às exigências normativas e às melhores práticas do setor.
Atualização normativa: manter-se informado sobre atualizações da legislação veterinária, participando de eventos, cursos e grupos de discussão que abordem aspectos regulatórios.
Consultoria especializada: considerar apoio externo para implementação de sistemas de gestão da qualidade, especialmente em momentos críticos de adequação ou expansão do estabelecimento.
O fluxo de controle pode ser sistematizado em oito etapas interconectadas:
1. Diagnóstico inicial: avaliação detalhada da situação atual do estabelecimento, utilizando instrumentos estruturados como checklists e auditorias para mapear o cenário existente.
2. Identificação de não conformidades: mapeamento preciso dos pontos de inadequação, categorizando-os por gravidade, complexidade e impacto na operação do estabelecimento.
3. Elaboração do Plano de ação: definição de estratégias corretivas para cada não conformidade identificada, estabelecendo metas, prazos realistas e responsáveis pelas ações necessárias.
4. Implementação: execução das ações planejadas, com acompanhamento sistemático do progresso e ajustes quando necessário para garantir a efetividade das intervenções.
5. Treinamento da equipe: capacitação para adequação às novas exigências, assegurando que todos os colaboradores compreendam a importância da conformidade normativa e seu papel nesse processo.
6. Monitoramento contínuo: acompanhamento sistemático por indicadores previamente definidos, permitindo a visualização clara da evolução e identificação precoce de desvios.
7. Auditorias internas: verificações periódicas de conformidade, realizadas de forma sistemática e documentada, para avaliar a efetividade das ações implementadas.
8. Reavaliação: retorno ao diagnóstico para verificar eficácia das ações e identificar novos pontos de melhoria, reiniciando o ciclo e promovendo a evolução contínua do estabelecimento.
Garantia da qualidade conforme a tipologia do estabelecimento
A Resolução CFMV nº 1.275/2019 estabelece requisitos específicos para cada categoria de estabelecimento, demandando abordagens customizadas para garantia da qualidade:
Ambulatórios veterinários: focados em exames clínicos, procedimentos ambulatoriais e vacinação, com supervisão permanente do médico-veterinário durante o uso de sedativos e tranquilizantes (Art. 3º, Parágrafo Único). A gestão deve priorizar a eficiência no atendimento e a segurança nos procedimentos básicos realizados.
Consultórios veterinários: além dos serviços ambulatoriais, devem dispor de recepção, sala de espera e instalações sanitárias para o público (Art. 7º, I e III). O gestor deve garantir um ambiente acolhedor e funcional, que proporcione conforto durante a espera e privacidade durante os atendimentos.
Clínicas veterinárias: oferecem tratamentos clínico-ambulatoriais, com possibilidade de cirurgias e internações, exigindo responsabilidade técnica e presença profissional durante todo o período de atendimento e internação (Art. 8º). A gestão deve assegurar a coordenação eficiente entre os diferentes setores e a supervisão adequada dos pacientes internados.
Hospitais veterinários: estabelecimentos de maior complexidade, com atendimento integral (24 horas), abrangendo consultas, tratamentos, diagnósticos, cirurgias e internações, com exigência de setores especializados completos (Art. 10º). O sistema de gestão deve ser robusto, abrangendo escalas profissionais, protocolos de emergência e coordenação entre as diversas especialidades disponíveis.
A Resolução CFMV nº 1.562/2020 complementa esse panorama ao definir as diretrizes para responsabilidade técnica, fundamentais para a qualidade assistencial.
Para aprimoramento contínuo dos serviços, recomenda-se:
Capacitação sistemática: treinamentos regulares sobre atendimento, manejo animal, protocolos sanitários e legislação, adaptados às necessidades específicas de cada tipo de estabelecimento e às funções desempenhadas pelos colaboradores.
Protocolos padronizados: desenvolvimento de fluxos procedimentais para cada serviço oferecido, garantindo consistência no atendimento e reduzindo a variabilidade que pode comprometer a qualidade assistencial.
Avaliação de satisfação: pesquisas periódicas com clientes para identificar oportunidades de melhoria, utilizando metodologias adequadas ao perfil da clientela e à complexidade dos serviços prestados.
Canal de comunicação efetivo: sistema de ouvidoria para registro de feedback, reclamações e sugestões, criando um fluxo contínuo de informações que auxiliem no aperfeiçoamento dos processos.
Gestão por indicadores: monitoramento de métricas de desempenho para tomada de decisões estratégicas, estabelecendo objetivos claros e mensuráveis para cada aspecto relevante da operação.
Especificidades regionais e porte dos estabelecimentos
A aplicação da Resolução CFMV nº 1.275/2019 deve considerar particularidades regionais e o dimensionamento dos estabelecimentos. Em localidades com menor poder aquisitivo, o investimento em tecnologia avançada e infraestrutura completa pode representar um desafio significativo, exigindo soluções criativas que garantam conformidade sem comprometer a qualidade assistencial.
Estabelecimentos de menor porte frequentemente enfrentam limitações para atender as exigências normativas, especialmente aquelas relacionadas à infraestrutura. Nessas circunstâncias, o gestor deve priorizar aspectos críticos para segurança e bem-estar animal, desenvolvendo alternativas compatíveis com o orçamento disponível e que atendam minimamente às exigências para a categoria do seu estabelecimento.
O conhecimento profundo da realidade local e das características específicas do estabelecimento possibilita a customização de estratégias gerenciais e ferramentas de controle que garantam conformidade normativa e excelência assistencial. Essa abordagem contextualizada permite o desenvolvimento sustentável do negócio enquanto mantém o compromisso com os padrões técnicos exigidos pela legislação.
A adaptação às realidades regionais não significa, contudo, negligenciar as exigências fundamentais da Resolução, mas sim encontrar caminhos viáveis para implementá-las considerando as particularidades sociais, econômicas e culturais de cada localidade.
Desafios de implementação e mecanismos de avaliação
A operacionalização da Resolução CFMV nº 1.275/2019 apresenta diversos desafios:
Restrições financeiras: a adequação estrutural e a aquisição de equipamentos podem exigir investimentos consideráveis, desafiando a capacidade orçamentária de muitos estabelecimentos. O gestor precisa desenvolver estratégias de captação de recursos e priorização de investimentos que permitam a conformidade progressiva.
Lacunas técnicas: A compreensão e a aplicação da Resolução podem gerar dificuldades, especialmente para gestores sem formação administrativa específica. O desenvolvimento de competências gerenciais torna-se tão importante quanto o domínio técnico veterinário para a gestão eficaz.
Resistência à mudança: a implementação de novos processos frequentemente encontra oposição em equipes habituadas a práticas anteriores. Estratégias de gestão da mudança, com comunicação transparente e envolvimento participativo, são essenciais para superar essa barreira.
Complexidade do monitoramento: o acompanhamento contínuo da conformidade requer sistemas gerenciais estruturados, que nem sempre estão disponíveis ou são de fácil implementação, especialmente em estabelecimentos de menor porte.
Para superar esses obstáculos, sugere-se minimamente:
Buscar orientação especializada: consultores em gestão veterinária podem fornecer suporte técnico valioso, oferecendo experiência e conhecimento específico sobre as melhores práticas de implementação da Resolução em contextos similares.
Investir em desenvolvimento profissional: capacitação contínua da equipe em aspectos normativos e assistenciais, criando uma cultura organizacional orientada para a qualidade e a conformidade. Programas de desenvolvimento gerencial específicos para médicos-veterinários podem ser particularmente úteis.
Estabelecer comunicação transparente: informar claramente os objetivos da Resolução e os benefícios da conformidade para todos os stakeholders, incluindo colaboradores, clientes e parceiros. A transparência sobre os desafios e progressos facilita o engajamento coletivo.
Implementar monitoramento sistemático: acompanhar indicadores de desempenho para decisões estratégicas, utilizando ferramentas tecnológicas quando possível para automatizar a coleta e a análise de dados relevantes.
Reconhecer avanços: valorizar e celebrar resultados positivos, incentivando a busca pela excelência. Sistemas de reconhecimento podem fortalecer o compromisso da equipe com os objetivos de conformidade e qualidade.
Um sistema efetivo de avaliação de resultados deve permitir:
Monitoramento da conformidade normativa: verificação sistemática do cumprimento dos requisitos, utilizando ferramentas específicas como auditorias programadas e indicadores de performance regulatória.
Avaliação da qualidade assistencial: mensuração da satisfação dos clientes e indicadores de efetividade clínica, permitindo uma visão abrangente dos resultados além da mera conformidade legal.
Identificação de oportunidades de melhoria: análise crítica para aperfeiçoamento contínuo, utilizando metodologias estruturadas de solução de problemas e inovação de processos.
Implementação de ações corretivas e preventivas: intervenções baseadas em evidências para solucionar problemas identificados, estabelecendo ciclos de melhoria que antecipem potenciais não conformidades.
Acompanhamento de resultados: verificação da eficácia das ações implementadas, garantindo que as soluções adotadas produzam os efeitos desejados e sejam sustentáveis ao longo do tempo.
Considerações finais
A gestão técnica de estabelecimentos veterinários frente à Resolução CFMV nº 1.275/2019 representa um desafio multidimensional, essencial para assegurar conformidade legal, eficiência operacional e qualidade assistencial. A implementação de ferramentas gerenciais eficazes, monitoramento contínuo e adesão às boas práticas constituem pilares fundamentais para o êxito institucional.
A Lei nº 5.517/68 e a Resolução CFMV nº 1.562/2020 complementam esse arcabouço normativo, estabelecendo obrigações profissionais e responsabilidades técnicas. Ao seguir essas e demais diretrizes que tenham interface com suas atividades, o médico-veterinário gestor contribui significativamente para a valorização profissional e para a saúde e o bem-estar animal.
A busca pela melhoria contínua deve permear todas as dimensões da gestão veterinária. A avaliação sistemática de resultados e a implementação de medidas corretivas e preventivas são essenciais para garantir a sustentabilidade e o sucesso do empreendimento – pois, efetivamente, “isso é questão de gestão!”
Referências
BRASIL. Lei nº 5.517, de 23 de outubro de 1968. Dispõe sobre o exercício da profissão de médico-veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 de outubro de 1968.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução CFMV nº 1.275/2019, de 25 de junho de 2019. Conceitua e estabelece condições para o funcionamento de estabelecimentos médico-veterinários de atendimento a animais de estimação de pequeno porte e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 de julho de 2019.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução CFMV nº 1.562/2020, de 29 de setembro de 2020. Dispõe sobre a normatização da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 de outubro de 2020.