Atendimento em domicílio
Uma realidade de futuro, mas com muitas limitações
Já tem um certo tempo que afirmo, e é o entendimento de muitos colegas, que o atendimento veterinário domiciliar é uma opção conveniente e cada vez mais popular para cuidar da saúde dos animais de estimação. É uma área da medicina veterinária de muito futuro.
Assim, precisamos entender que o atendimento veterinário domiciliar é uma tendência crescente e tem o potencial de ser uma parte significativa do futuro dos cuidados com animais de estimação.
É pacifico que o atendimento veterinário domiciliar oferece várias vantagens para o animal de estimação. A principal é o maior conforto, pois o animal é atendido em um local onde se sente seguro, sem precisar passar pelo estresse do deslocamento, que pode provocar enjoos e excitações. Além disso, animais em idade geriátrica ou com alterações de locomoção ou de difícil transporte também se sentem mais à vontade quando o exame é realizado em casa.
Sem falar que o animal não tem que lidar com o estresse de estar em um ambiente desconhecido, com odores e barulhos de outros animais. Além disso, em uma clínica veterinária, infelizmente, ele corre também maior risco de contaminações cruzadas, que podem levá-lo a contrair doenças infecciosas.
Lembrando também que em casa existe a “dedicação exclusiva”, pois o profissional dedica toda a sua atenção ao animal, sem as distrações comuns em uma clínica.
Podemos também falar que em domicilio é possível fazer a observação do comportamento natural do paciente, pois em casa ele tem uma conduta mais natural, o que pode ajudar o veterinário a fazer uma avaliação mais precisa.
Inegável que os benefícios desse atendimento alcançam também o tutor, pois em casa tudo é mais cômodo para ele, evitando tempo perdido na preparação e duração da viagem ou no trânsito, e na espera na clínica, além de evitar um possível “acidente” dentro do carro, pois o animal pode ter náuseas ou defecar de ansiedade, entre outras intercorrências.
Essas são apenas algumas das várias vantagens que levam as pessoas a escolher o serviço de veterinário em domicílio, ressaltando que também é importante lembrar que, embora o atendimento domiciliar ofereça muitos benefícios, nem todos os procedimentos podem ser realizados em casa, e existem também os empecilhos que serão analisados mais à frente.
Por sua vez, os médicos-veterinários que realizam atendimentos domiciliares encaram vários desafios. O primeiro deles é o deslocamento, principalmente em grandes cidades, pois ele é quem enfrenta o trânsito e a distância entre os atendimentos, exigindo um planejamento logístico eficiente.
Além, é claro, da situação de ele se deparar com uma variedade de ambientes, que podem requerer habilidades de adaptação e improvisação, o que também afeta alguns animais, que podem apresentar comportamentos desafiadores “para estranhos” em seu próprio ambiente, exigindo paciência e técnicas adequadas.
Existe também a limitação de equipamentos, pois em domicilio não se pode contar com a estrutura completa de uma clínica, o que demanda criatividade e recursos para contornar essas limitações. Fato que pode gerar um risco muito grande na esfera da responsabilidade civil.
Além disso, gerenciar eficientemente uma carteira de clientes pode ser um desafio, já que existe a necessidade legal de manter registros precisos e atualizados de todos os pacientes.
Outro ponto crucial do atendimento em domicilio é a sua gestão financeira, ou seja, a precificação das consultas e visitas, tanto em relação aos recebimentos como, e principalmente, em relação aos custos, pois o volume monetário pode ser fictício e o profissional acabar “pagando para trabalhar”. Deve-se considerar ainda o fato de se estabelecer uma certa concorrência predatória em relação aos profissionais estabelecidos em clínicas e hospitais.
Muitos entendem que o atendimento domiciliar veterinário é gratificante e valioso na sua prática diária, e que a cada dia traz novas experiências e a oportunidades de fazer a diferença na vida dos animais e de seus tutores/responsáveis.
Até aqui, estamos olhando o atendimento domiciliar pelo lado bom, fácil de entender e aceitar, mas e o outro lado?
É sempre prudente observar os fatos por todos os ângulos e entender os problemas que podem surgir e que teremos que enfrentar, sendo necessário também analisar a legislação e seu alcance.
Não existe ainda um regramento do CFMV para os atendimentos em domicilio, mas ele não deve tardar, afinal é preciso disciplinar de maneira uniforme esse tipo de atendimento. No entanto, vários estados já tem seus regramentos, tais como o Acre – Resolução 9, de 27 de maio de 2021 –, o Espírito Santo – Resolução 6, de outubro de 2018 –, o Mato Grosso do Sul – Resolução 71, de 10 de fevereiro de 2017 –, o Tocantins – Resolução 37, de 22 de fevereiro de 2021 –, e Minas Gerais – Resolução 365, de 26 de fevereiro de 2019 – que pessoalmente entendo seja a melhor delas.
Em regra, é permitido aos profissionais oferecer nos atendimentos domiciliares serviços como os atos básicos de consulta, anamnese, coleta de parâmetros não invasivos e aplicação de vacinas e medicamentos comuns. Ainda podem ser realizados exames de imagem, desde que o animal não precise ser sedado ou anestesiado, e também podem ser feitas orientações para filhotes e pacientes geriátricos ou gestantes, e corte de unhas, microchipagem, curativos e exames para atestados de saúde com o fito de viagens.
Além disso, pode-se também realizar a aplicação endovenosa de soros, desde que o paciente não precise de cuidados de intensivísmo, e também acompanhamentos pós-operatórios e de tratamento de especialistas.
Ressalte-se que em casos de emergência é imperioso o encaminhamento para uma unidade compatível.
Ademais, existem outros riscos jurídicos desse tipo de atendimento, sejam as responsabilidades cíveis, criminais ou éticas, por existir falha no procedimento oriunda de imperícia, negligência ou imprudência. Também é preciso considerar que o profissional que gera resíduos hospitalares tem a responsabilidade por seu descarte adequado, evitando a ocorrência de crimes ambientais.
A conservação de vacinas é outro aspecto muito importante. Trata-se de um produto termossensível, que deve ser mantido na faixa de temperatura recomendada (entre 2 °C e 8 °C), pois a falha em manter a temperatura adequada pode comprometer a eficácia da vacina e resultar em responsabilidades legais.
Esses são apenas alguns dos riscos jurídicos potenciais associados ao atendimento veterinário domiciliar. É importante que os profissionais estejam cientes desses riscos e tomem as medidas adequadas para mitigá-los.
Importante também destacar que cabe ao tutor/responsável – para garantir a segurança jurídica do seu animal de estimação –, durante o atendimento veterinário domiciliar, é responsabilidade do tutor verificar a formação e a experiência do profissional, consultando a situação do profissional junto ao CRMV do seu estado, sendo importante que solicite referências de outros clientes para garantir a qualidade do serviço prestado.
Ainda é importante que o tutor conheça os direitos à saúde do animal, que já são consagrados e reconhecidos juridicamente, bem como entenda os procedimentos que podem ser realizados em domicílio e o que efetivamente é proibido.
É necessário que exista uma boa comunicação entre o médico-veterinário e o tutor, além de, no ato do atendimento, se entregar ao tutor uma cópia do relatório (ficha) para que ele a tenha em suas mãos: esse documento deve ter informações claras, objetivas e completas sobre o atendimento.
Mesmo sendo o atendimento realizado em domicílio, o tutor/responsável precisa ser comunicado e dar consentimento formal para qualquer tipo de ato médico-veterinário.
Referências sugeridas
1-CDC – Lei 8078/90. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>
2-Código Deontologia e Ética Profissional do Médico Veterinário. <http://ts.cfmv.gov.br/manual/arquivos/resolucao/1138.pdf>
3-Nunes, R. Curso de direito do consumidor. Imprenta: São Paulo, SaraivaJur, 2019.
4-Dallari Junior, J. A. Direito Médico Veterinário. Recanto das Letras, São Paulo, 2021
5-Resolução nº 9, de 27 de maio de 2021. CRMV-AC. <https://www.crmvac.org.br/resolucao-crmv-ac-no-09-de-27-de-maio-de-2021/>
6-Resolução nº 37, de 22 de fevereiro de 2021. CRMV-TO <https://www.crmvto.gov.br/resolucao-no-37-de-22-de-fevereiro-de-2021/>
7-Resolução nº 365, de 26 de fevereiro de 2019. CRMV-MG. <https://www.crmvmg.gov.br/ARQUIVOS/Resolucao-365-19.pdf>
8-Resolução nº 6, de 6 de outubro de 2018. CRMV-ES. <https://www.crmves.org.br/resolucao-crmv-es-no-6-2018-atendimento-medico-veterinario-de-animais-em-domicilio-no-ambito-do-es/#>
9-Resolução nº 71, de 10 de fevereiro de 2017. CRMV-MS. <https://crmvms.org.br/wp-content/uploads/2021/05/Resolucao-n.-71-Atendimento-domiciliar-atualizado-conforme-Res.-CRMV-MS-77.pdf>