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Direito Animal

O princípio da cidadania animal

Matéria escrita por:

Vicente de Paula Ataíde Junior

23 de set de 2025

Créditos: snig Créditos: snig

Jennifer Wolch e Jody Emel, em livro publicado em 1998, cunharam o termo Zoopolis para descrever uma nova ética ambiental no meio urbano que levasse em conta não apenas os interesses humanos, mas também os interesses animais.

Esse termo foi popularizado e ampliado a partir do livro Zoopolis: a political theory of animal rights, de Sue Donaldson e Will Kymlicka, publicado em 2011.

Quando tratamos dos direitos animais utilizamos a ideia de uma zoopolítica para definir uma nova concepção de Estado, não antropocêntrico, pós-humanista, que se expande cada vez mais, seja no mundo jurídico, seja no mundo cultural.

A expansão pós-humanista no mundo jurídico – com o reconhecimento expresso da perspectiva zoopolítica – já consta de algumas leis municipais brasileiras.

O artigo 2º, III, d, da Lei 3.917, de 20 de dezembro de 2021, do Município de São José dos Pinhais, PR, por exemplo, ressaltou que um dos objetivos da pedagogia animalista é enaltecer as “práticas de vivência e convivência mais éticas, pacíficas e solidárias, dentro de uma perspectiva multiespecífica, zoopolítica e não-especista”.

Outros municípios também se declararam zoopolíticos, e contemplaram o princípio da cidadania animal, como Juazeiro do Norte, CE (Lei 5.327/2022, art. 2º, III); Juranda, PR (Lei 2.521/2023, art. 2º, III); Vila Flores, RS (Lei 2.614/2023, art. 2º, III); Feliz, RS (Lei 4.000/2022, art. 2º, III); Valinhos, SP (art. 2º, III); e Campina Grande, PB (art. 5º, IV).

Essa nova perspectiva na concepção dos fins do Estado conduziu ao princípio da cidadania animal, catalogado pela primeira vez, doutrinariamente, como princípio exclusivo do Direito Animal, apenas em 2025 .

Mas, esse novo princípio já foi incluído na legislação infraconstitucional brasileira. O art. 1º-A, IV, do Código Estadual de Proteção aos Animais, de Pernambuco, introduzido pela Lei 18.031/2022, define o princípio da cidadania animal como uma determinação no sentido de que “os interesses dos animais como habitantes das cidades devem ser levados em consideração pelas leis e outros atos normativos que possam impactá-los.”

A lei pernambucana buscou inspiração na Lei 3.917/2021, do Município de São José dos Pinhais, PR, primeira lei brasileira a catalogar, expressamente, o princípio da cidadania animal, com essa definição normativa: “os interesses dos animais, vertebrados e invertebrados, como habitantes das cidades, devem sempre ser levados em consideração nas leis municipais que possam impactá-los.”

Percebe-se, claramente, pela dicção dos dispositivos normativos que as leis existentes já contemplam, expressamente, o princípio da cidadania animal, que, quando se fala em interesses dos animais, fala-se em animais como habitantes das cidades.

Esses dispositivos legais revelam que o princípio da cidadania animal, ainda que deite raízes no art. 225, § 1º, VII, da Constituição, de onde emanam a regra da proibição da crueldade e o princípio da dignidade animal, tem seu fundamento bem encaixado no art. 182 do texto constitucional, o qual, ao tratar da política urbana, estabelece que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Nesse contexto, o art. 182, interpretado à luz do art. 225, § 1º, VII, pode ser conectado com o art. 1º, II, da Constituição, para estabelecer os fundamentos constitucionais do princípio da cidadania animal. Como bem deixam claro a lei estadual e as leis municipais retrocitadas, os animais também são habitantes das cidades, pelo que o seu bem-estar deve ser considerado nas políticas de desenvolvimento urbano (art. 182, Constituição).

Em outras palavras, animais, como habitantes das cidades, têm interesse nas políticas que possam, direta ou indiretamente, impactar a sua qualidade de vida e sua dignidade própria. É nesse sentido que deve ser interpretado o princípio da cidadania animal: os interesses animais devem ser levados em consideração nas decisões políticas, sejam legislativas, sejam administrativas.

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Créditos: Songquan Deng

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No livro Zoopolis, Sue Donaldson e Will Kymlicka, ao trabalharem a distribuição de direitos animais, de acordo com os parâmetros da teoria política, afirmam que “a melhor maneira de ver os animais é como concidadãos de nossa comunidade política, cujos interesses têm peso na hora de determinar o nosso bem coletivo”.

O estado de coisas a ser promovido pelo princípio da cidadania animal é a consecução de um Estado Zoopolítico, em que os interesses animais sejam considerados e levados a sério quando das decisões políticas, em seus variados palcos de manifestação, sobretudo na elaboração de leis e de outros atos normativos.

Em termos eficaciais, percebe-se que o princípio da cidadania animal tem, como primeiros destinatários, os parlamentares de todos os níveis federativos, os quais não podem produzir leis que impactem os animais, sem levar em consideração o interesse destes.

Mas, evidentemente, o princípio também é dirigido à Administração Pública e ao Poder Executivo, além das agências estatais e paraestatais, os quais também são obrigados a produzir decretos e outros atos normativos levando em consideração os interesses animais, além de estabelecer parâmetros de bem-estar animal nas licitações e contratos administrativos. Portanto, não se pode deixar de considerar os animais, como habitantes das cidades, na elaboração dos planos diretores das cidades (art. 182, § 1º, Constituição e art. 40, § 4º, Lei 10.257/2001), nos zoneamentos ambientais (art. 9º, II, Lei 6.938/1981; art. 4º, III, c, Lei 10.257/2001), no Código de Posturas e, também, na própria Lei Orgânica municipal.

Pragmaticamente, a forma de realizar o princípio da cidadania animal é em conexão com o princípio da participação comunitária, pelo qual serão as entidades de proteção animal os principais responsáveis por dar voz aos animais no debate político.

Não seria necessário dizer, mas é melhor deixar claro, que o princípio da cidadania não implica o direito político de votar ou de ser votado para animais. Animais não detêm essa capacidade política porque, civilmente, são absolutamente incapazes e, portanto, “incapazes de entender as plataformas políticas dos diferentes candidatos ou partidos”. O que o princípio comanda é, de fato, a participação política dos animais, por meio de seus representantes adequados.

Mas, considere-se, como o fazem Donaldson e Kymlicka, que os próprios animais, “com sua presença, são agentes de mudança. Não são agentes deliberados, mas são agentes – levam suas vidas, fazem as coisas que fazem – e, como essa atividade se exerce no âmbito público, serve de catalisador para a deliberação política”.