Caso Tokinho
Mais uma sentença condena réu a pagar indenização por danos morais a cão vítima de violência

Tokinho é um cão sem raça definida, domiciliado na cidade de Ponta Grossa, PR, vítima de nove pauladas, desferidas com um pedaço de madeira, em junho de 2023.
Apesar do registro da ocorrência na Polícia Civil, não houve processo criminal, mediante acordo de não persecução penal com o Ministério Público, pelo qual o infrator se comprometeu a pagar uma indenização à ONG que resgatou o animal.
Dessa forma, na seara cível, foi ajuizada ação de reparação dos danos sofridos pelo animal, patrocinada pela advogada animalista, Isabella Godoy Danesi, na qual se pediu indenização de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), exclusivamente para o animal 1.
Após a citação e defesa do réu, a Juíza de Direito substituta da 3ª Vara Cível da comarca de Ponta Grossa, Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha Wojciechowski, proferiu decisão, expressamente reconhecendo a capacidade de ser parte do animal e rejeitando a preliminar de ilegitimidade ativa, com fundamentação bastante robusta, com amplo descortino das fontes normativas e doutrinárias sobre a capacidade processual dos animais.
Como era de esperar, a decisão mencionou o famoso caso Spike & Rambo, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, de 2021, no qual se admitiu, pela primeira vez, que animais podem ocupar o polo ativo de demandas judiciais.
Já era possível antever mais uma sentença de mérito de procedência, agora no caso Tokinho, de Ponta Grossa, considerando a exuberante decisão já referida e a realização da audiência de instrução, para colheita de provas, concluída em fevereiro de 2025.
E, essa sentença de mérito de procedência realmente foi proferida, em 25 de abril de 2025, com magnífica e aprofundada fundamentação, não apenas em relação à capacidade processual dos animais, como, também, ao direito animal à reparação de danos 2.
Na sentença, a Juíza de Direito condenou o réu “ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor do cão Tokinho”, salientando que “a indenização deverá se reverter exclusivamente em favor do animal, mediante prestação de contas, sob pena de responsabilização pessoal dos tutores”. Ainda cabem recursos.
Mais esse caso bem-sucedido de judicialização terciária do Direito Animal 3, nos permite tirar algumas conclusões importantes, especialmente no que se refere aos direitos de cães e gatos, os quais, geralmente, têm ocupado a autoria dessas ações:
1. As leis penais – e a previsão do crime qualificado de maus-tratos contra cães e gatos na Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) – não são suficientes para uma adequada e eficaz proteção jurídica dos animais;
2. As ações cíveis de judicialização terciária do Direito Animal – com animais no polo ativo de demandas judiciais – aumentam o espectro de responsabilização daqueles que maltratam animais, porque criaram um novo tipo de responsabilidade civil: a obrigação de indenizar os próprios animais vítimas de violência e maus-tratos;
3. Essas mesmas ações aumentam o nível de proteção jurídica dos animais, pois garantem um patrimônio mínimo para o próprio animal 4, de modo que ele, representado pelo seu tutor ou responsável, terá os recursos necessários para fazer frente às suas necessidades vitais, especialmente as atingidas após os incidentes de agressão e de danos físicos e psíquicos. Em outras palavras, o processo judicial estabeleceu uma nova tecnologia jurídica de proteção animal;
4. Faz-se urgente o estabelecimento de métodos adequados, no âmbito da medicina veterinária legal, para a correta fixação das indenizações pelos danos animais, que levem em consideração as várias dimensões do sofrimento animal. Ainda que já existam estudos nesse sentido 5, é preciso determinar padrões técnicos seguros para auxiliar as partes e os juízes na mensuração pecuniária do dano animal.
Note-se que a superveniência da Lei 15.046/2024, que autorizou a criação do Cadastro Nacional de Animais Domésticos 6, estritamente para “animais que se destinam à companhia ou são criados como de estimação” (art. 1º), facilita ainda mais o ajuizamento de tais demandas, pois permite uma identificação adequada do animal que está propondo a ação em nome próprio.
Portanto, os advogados e advogadas animalistas que vêm propondo tais ações não são aventureiros jurídicos. Estão bem embasados normativamente, desde a Constituição Federal – que proibiu as práticas cruéis contra animais – passando pelas leis federais, estaduais e municipais, até os julgados dos diversos tribunais pátrios.
Os médicos e médicas-veterinário(a)s – os verdadeiros guardiões dos direitos animais – têm um papel importantíssimo para desenvolver diante desse fenômeno jurídico, proporcionando, por meio de laudos e pareceres técnicos, a perfeita avaliação da extensão do dano animal, de modo que as novas sentenças judiciais possam ainda melhor fazer justiça aos animais vítimas de violência e de maus-tratos.
Referências
1-Autos 32729-98.2023.8.16.0019 (Projudi), 3ª Vara Cível da comarca de Ponta Grossa.
2-O caso Tokinho ganhou notoriedade na mídia após essa decisão, como se pode ver pela matéria no sítio
de notícias jurídicas Migalhas: Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/399426/caso-tokinho-abreprecedente-em-prol-dos-animais-diz-defensora-do-cao>. Acesso em 9 de março de 2025.
3-ATAIDE JUNIOR, V. P. Capacidade processual dos animais: a judicialização do Direito Animal no Brasil. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2025, p. 403.
4-ATAIDE JUNIOR, V. P. Introdução ao Direito Animal: a teoria das capacidades jurídicas animais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025, p. 288-289.
5-VARGAS, L. ; HAMMERSCHMIDT, J. Estudo de caso: metodologia de cálculo de indenização de dano animal. In: TOSTES, R. A. ; REIS, S. T. J. ; CASTILHO, V. V. Tratado de Medicina Veterinária Legal: volume II. Curitiba: MEDVEP, 2024, p. 376-383.
6-ATAIDE JUNIOR, V. P. Introdução ao Direito Animal: a teoria das capacidades jurídicas animais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025, p. 150-152.