
O gato é um animal com muitas particularidades. Estudos revelam que os gatos passam aproximadamente 30% do tempo de vida se auto-higienizando por meio de lambedura, e consequentemente aumentando a ingestão de pelos e a probabilidade de formação de bolas de pelos. Além disso, atualmente, 75% dos felinos são castrados e dormem muito, exercitando-se menos de 1 hora por dia e apresentando 40% mais risco de sobrepeso. Consequentemente, têm menos atividade no trato digestivo. O manejo nutricional, nesses casos, é importante para garantir a qualidade de vida e o bem-estar dos animais. Não raramente, alguns gatos se alimentam muito rápido, ocasionando regurgitações e/ou alterações na digestibilidade do alimento. Com isso, torna-se fundamental a clareza dos conceitos em torno do tema e a precisa abordagem nutricional, a fim de garantir a qualidade de vida e o bem-estar dos animais.
Regurgitação
A regurgitação é o refluxo de alimento não digerido do esôfago e da faringe. A regurgitação ocorre sem esforço de expulsão e sem contrações abdominais, ao contrário do observado em casos de vômito.
A regurgitação pode ocorrer imediatamente após uma refeição (caso o alimento permaneça na faringe ou no esôfago) ou após várias horas (se o alimento ainda estiver no esôfago).
O conteúdo regurgitado é um material não digerido, normalmente com pH do conteúdo não ácido. Deve-se observar que o animal frequentemente consome o material regurgitado novamente.
Otimizando a digestão
Sabemos que o tempo de esvaziamento gástrico e todo o processo de digestão são modulados, entre outros, por estes fatores:
a) o tamanho das partículas de alimento no estômago – a passagem das partículas para o intestino delgado ocorre quando elas apresentam um tamanho entre 1 e 1,5mm;
b) a composição do alimento – o conteúdo de gordura (lipídeo), em particular, e o valor energético interferem na velocidade do esvaziamento gástrico;
c) consistência do bolo alimentar: – com a finalidade de otimizar o esvaziamento gástrico e evitar o risco de vômito, o alimento deve ser reidratável e/ou se dissolver rapidamente em contato com a saliva e as secreções gástricas.
Vômito
O vômito é a expulsão de conteúdo gástrico que pode estar parcialmente digerido. Normalmente, o ato de vomitar é precedido de náusea (salivação excessiva) e de contrações abdominais que ajudam a forçar a expulsão.
Nesse caso, a digestão do alimento pode estar mais ou menos avançada, e, diferentemente do que ocorre na regurgitação, o pH do alimento geralmente é ácido, devido às secreções ácidas oriundas do lúmen estomacal.
Diarreia
A diarreia consiste no aumento do número de evacuações e/ou na presença de fezes amolecidas, de consistência pastosa e/ou até mesmo líquidas. As causas são variadas, mas de maneira geral ocorre uma perda excessiva de água, sódio, cloro, íons orgânicos e potássio, podendo levar o animal à desidratação.
A absorção prejudicada dos nutrientes ou de excesso de solutos no bolo alimentar aumenta a osmolalidade no interior do lúmen intestinal, resultando em maior deslocamento de líquido para o interior do intestino e, consequentemente, em perda de água pelas fezes. A perda de fluidos isotônicos diminui o volume plasmático circulante e pode, em casos graves, levar ao choque hipovolêmico, que, sem intervenção médica, pode ocasionar a morte do animal. Quando a diarreia é grave e/ou prolongada, quantidades específicas de potássio podem ser perdidas pelas fezes e devem ser repostas.
Quantidade de fezes
Os alimentos de alto aproveitamento (altamente digestíveis) são os que proporcionarão menos volume e odor fecal. Um alimento é considerado tanto mais digestível quanto mais for aproveitado ou absorvido depois de ingerido. Assim, quanto maior a digestibilidade do alimento, menor o volume fecal.
Para gatos que apresentem predisposição a problemas digestivos e regurgitações esporádicas, o alimento deve, além de ser nutricionalmente específico, com a qualidade e a quantidade de fibras ideais, proporcionar uma velocidade de ingestão e preensão adequadas e estimular a mastigação.
O papel da nutrição
Alguns gatos têm sensibilidade digestiva que leva a fezes moles e diarreicas, e essa sensibilidade requer um alimento de elevada digestibilidade. A quantidade de alimento, o formato do croquete, a frequência da alimentação e a composição da dieta são importantes fatores que influenciam a função gastrintestinal.
Proteína altamente digestível
Oferecer alimentos que contêm em sua composição proteínas altamente digestíveis vai gerar maior quantidade de proteína absorvida pelo animal, aumentando a eficiência digestiva e resultando em menor resíduo proteico no intestino grosso (que pode ser a causa de fermentações indesejáveis, com produção de gases).
As proteínas altamente digestíveis são de excelente qualidade, e portanto muito bem assimiladas. A disgetibilidade proteica é estimada laboratorialmente pela utilização de um método de mensuração denominado Boisen 1, comprovadamente o melhor método in vitro para predizer a digestibilidade ileal em monogástricos e reconhecido como referência para a avaliação in vitro de digestibilidade 2.
Os benefícios das proteínas altamente digestíveis são maior quantidade de proteína absorvida por unidade de quantidade de alimento ingerido; aumento da eficiência di gestiva; e menor resíduo proteico no cólon do animal (que pode ser a causa de fermentações indesejáveis e odores fétidos).
Fruto-oligossacarídeos
Os fruto-oligossacarídeos (FOS) são classificados como fibras fermentáveis. Não digeridos, mas rapidamente fermentados pela microbiota bacteriana intestinal, os FOS são responsáveis pela produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), necessários para a manutenção e renovação das células da mucosa intestinal. Além disso, os FOS estimulam a microbiota bacteriana benéfica (Lactobacillus) e limita o crescimento das bactérias potencialmente patogênicas (Enterobateriaceae e Clostridia).
Amido digestível
A utilização de fontes de amido de alto aproveitamento também deve ser preferida. O arroz é uma fonte de amido digestível e apresenta algumas características importantes 3:
• limita a excreção fecal, graças à melhor absorção intestinal;
• limita o nível de fibra em comparação a outros cereais; e
• é mais sensível às atividades enzimáticas, graças ao baixo nível de amilopectina e ao alto teor de amilose.
Fonte de ômega 3 e ácidos graxos EPA e DHA
Os ácidos graxos ômega 3 reduzem e previnem a inflamação intestinal por inibir a secreção de citocinas inflamatórias e de eicosanoides. Esses efeitos foram demonstrados em modelos de roedores e porcos. Os ensaios em seres humanos variam, mas alguns estudos demonstraram redução da inflamação, menor uso de corticoides e redução das taxas de remissão dos sinais 4.
Referências sugeridas
1-BOISEN, S. ; FERNANDEZ, J. A. Prediction of apparent ileal digestibility of protein and amino acids in feedstuffs and feed mixtures for pigs by in vitro analyses. Animal Feed Science and Technology, v. 51, n. 1-2, p. 29-43, 1995. doi: 10.1016/0377-8401(94)00686-4.
2-CAVE, N. J. Hydrolyzed protein diets for dogs and cats. The Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 36, n. 6, p. 1251-1268, 2006. doi: 10.1016/j.cvsm.2006.08.008.
3-MURRAY, S. M. ; FAHEY, G. C. Jr. ; MERCHEN, N. R. ; SUNVOLD, G. D. ; REINHART, G. A. Evaluation of selected high-starch flours as ingredients in canine diets. Journal of Animal Science, v. 77, n. 8, p. 2180-2186, 1999.
4-HICKMAN, M. A. Interventional nutrition for gastrointestinal disease. Clinical Techniques in Small Animal Practice, v. 13, n. 4, p. 211-216, 1998. doi: 10.1016/S1096-2867(98)80005-4.