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O Concea e os métodos alternativos ao uso de animais no ensino

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

10 de nov de 2016

Créditos: Pakhnyushchy Créditos: Pakhnyushchy

O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) realizou o simpósio Métodos Alterna ti vos ao Uso de Animais no Ensino, nos dias 5 e 6 de outubro de 2016, em São Paulo, SP. Na ocasião, a Rede de Educação Humanitária (RedEH http://www.instituto1r.org/redeh), idealizada pelo Instituto 1R, manifestou-se publicamente durante o evento e formalizou solicitação ao Concea. Confira a seguir o conteúdo do documento.

“São Paulo, 6 de Outubro de 2016
AC Ilma. Dra. Sra. Monica Levy Andersen
DD Coordenadora do CONCEA

Prezada Senhora Coordenadora

Diante do avanço ético e científico, que passa necessariamente pela promoção da educação humanitária e da mudança dos métodos e técnicas ensinadas na formação científica, viemos solicitar ao Concea uma determinação legal para substituição total do uso prejudicial de animais no ensino superior e nos cursos técnicos de nível médio. O uso prejudicial de animais diz respeito a qualquer e toda ação, deliberada ou não, contrária ao bem-estar presente ou futuro do animal, através da negação ou limitação de liberdades inerentes ao animal, como liberdade para viver, expressar comportamento natural, fazer parte de uma estrutura social ou ecossistêmica, através da restrição ou negação da autonomia para saciar a fome, sede ou fugir de desconforto, podendo as práticas prejudiciais ainda causar dor, ferimento, doenças, medo e sofrimento 1. Reconhecemos que esse tema tem sido tratado pelo Concea de forma progressista e convergindo para esse objetivo. A preocupação por uma formação científica e de qualidade, associada com o pensamento crítico com base ética e de forma humanitária, foi recentemente invocada pelo Concea nas Diretrizes de Integridade e de Boas Práticas para Produção, Manutenção ou Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica 2. Também a postura de aceitar a objeção de consciência e a criação de uma ouvidoria para receber sugestões e reclamações sobre o uso prejudicial de animais demonstra um interesse colaborativo em proteger e fixar na academia os estudantes interessados em trabalhar na ciência sem o uso prejudicial de animais 3. Atualmente o Brasil já possui uma caminhada importante no desenvolvimento e aplicação de novas técnicas de ensino, embora muitas vezes restritas às instituições onde os métodos foram desenvolvidos. Para a divulgação das técnicas e métodos desenvolvidos nas instituições Brasileiras, o Instituto 1R idealizou a RedEH (Rede de Educação Humanitária), buscando formar um grupo independente, autogestado e horizontal. Hoje, esse grupo conta com 25 professores em mais de 20 instituições de ensino superior no Brasil, na maioria em universidades públicas e em 10 diferentes estados. Também participam da RedEH quatro contatos internacionais: professores da Espanha, Portugal e Colômbia. Todos esses profissionais desenvolvem e aplicam novos métodos para ensino abrangendo as mais diferentes áreas da ciência da vida e saúde e agrárias. Outros membros também trabalham nas áreas de design de produtos, jogos virtuais e divulgação científica através de ferramentas digitais 4.

Na primeira década do Século XXI, diversas instituições brasileiras e departamentos universitários já se posicionaram contrários ao uso prejudicial de animais no ensino, substituindo totalmente em seus cursos essa prática. Nessa lista encontra-se a Universidade Católica de Pelotas (UCPel), que substituiu o uso prejudicial de animais vivos no curso de medicina humana e em outros cursos da área da saúde. Em 2008, a mesma instituição substituiu as aulas práticas prejudiciais aos animais nas disciplinas de fisiologia e farmacologia. A Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) baniu completamente o uso prejudicial de animais vivos de todos os cursos em 2007. Neste mesmo ano, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Famed/UFRGS) implementou o Laboratório de Técnica Operatória e também promoveu a substituição total do uso prejudicial para a formação médica. Também, em 2007, a utilização prejudicial de animais vivos na Faculdade de Medicina na Fundação do ABC (SP) foi proibida por incentivo interno do curso, substituindo as práticas por softwares interativos nas disciplinas de fisiologia e farmacologia, e por cadáveres de animais obtidos de fontes éticas. 

Para a formação de medicina veterinária, a Universidade Federal Rural de Pernambuco aboliu o uso de animais vivos na disciplina de técnica cirúrgica há mais de 16 anos, utilizando cadáveres obtidos de fontes éticas e conservados, modelos sintéticos, simuladores desenvolvidos no curso, e muitos outros materiais desenvolvidos no dia a dia. Em 2009, o curso de medicina veterinária do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte) também aboliu o uso prejudicial de animais, sendo reconhecido com a medalha de mérito Brás Cubas em abril de 2009 por essa iniciativa. A Universidade de Brasília (UNB) substituiu o uso prejudicial de animais por simulações computadorizadas para aulas práticas em 1998. O treinamento em técnicas de microcirurgia foi substituído por simuladores que utilizam como interface de ensino um rato de PVC ligado ao simulador computacional 5.

A equipe da profa. dra. Júlia Matera da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP também criou um marco importante para o desenvolvimento da educação humanitária, com reconhecimentos internacionais pelo desenvolvimento da técnica de conservação pela solução de Larssen modificada, onde a maior concentração de glicerina e baixa concentração de formol permitem a conservação de cadáveres obtidos eticamente por um período de até 1 ano, podendo ser descongelados de 6 a 10 vezes sem prejuízo do material. Além da baixa toxicidade para os estudantes e para os técnicos e professores, pela redução na concentração do formol, o material conservado mantém coloração e textura ideais para aulas práticas de anatomia, técnica operatória e outras disciplinas específicas, como ortopedia 6.

Na educação veterinária, desde 2006, as aulas de fisiologia do Centro de Educação Superior de Campos Gerais (Cescage) envolvem os estudantes no desenvolvimento de modelos de estudos, de forma a colaborar com a construção do conhecimento e auxiliar na resolução de problemas. Em 2015, foram apresentados 27 modelos representativos de baixo custo para circulação renal, homeostase da respiração, sistema digestório de ruminantes e nãoruminantes, ovulação, espermatogênese e modelos de sinapses. Já em 1990 a Universidade Federal Fluminense (UFF) substituiu o uso prejudicial de animais para as disciplinas de fisiologia da área biomédica. A Universidade Federal do Vale de Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) implementou o desenvolvimento de métodos alternativos desde 2013 para as disciplinas de anatomia animal e fisiologia animal no curso de zootecnia de Diamantina sob coordenação do prof. Alexandro Aluisio Rocha. A profa. Simone Tostes também trabalha com estudantes e pesquisadores no desenvolvimento de modelos para ensino de medicina veterinária na Universidade Federal do Paraná (UFPR), utilizando manequins como arcabouço para modelos de diferentes sistemas para treinamento, como para cistocentese, coleta de sangue em cachorros e gatos e palpação prostática. Mais recentemente, em 2015, o prof. Luciano Alonso idealizou um projeto para implementar e desenvolver técnicas humanitárias de ensino para os cursos de veterinária e biologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), utilizando conservação de cadáveres obtidos de fontes éticas, desenvolvimento de modelos e interação com a comunidade das escolas públicas da região para a divulgação da educação humanitária e divulgação científica, buscando também a colaboração de estudantes para o desenvolvimento das atividades. Esse envolvimento horizontalizado para a busca da substituição das aulas é visto como um desafio aos estudantes, sendo considerado pelos professores como parte da formação acadêmica e profissional.

Souza (2014) descreveu a evolução do pensamento moral e social sobre os animais no Brasil, considerando especialmente o uso de animais como instrumento científico, incluindo as aulas práticas. Após fazer uma análise detalhada dos trabalhos publicados em educação humanitária e uso de animais no ensino, bem como a opinião dos estudantes frente à opinião dos professores, a autora concluiu que o uso de animais para ensino não pode ser aceito nem por questões éticas, nem jurídicas ou pedagógicas.

Assim, no intuito de promover e acelerar a mudança de paradigma para um ensino humanitário e para a formação de uma ciência atualizada, crítica e ética, e pela construção do conhecimento através da liberdade e autonomia do estudante, nós solicitamos e apoiamos: 

(1) determinação legal para substituição total do uso prejudicial de animais nos cursos técnicos de nível médio e no ensino superior;

(2) desenvolvimento nacional e promoção de métodos e abordagens educacionais sem uso prejudicial de animais.

Para esses objetivos, sugerimos também: 

a) disponibilizar em base nacional virtual uma biblioteca de materiais, softwares e vídeos para acesso acadêmico;

b) promover e fomentar o aperfeiçoamento, iniciativas e projetos em educação humanitária e métodos alternativos ao uso prejudicial de animais no ensino;

c) elaborar um curso on-line para todos os membros de comissão de ética tratando da importância da educação plural e humanitária e do desenvolvimento educacional em uma perspectiva de uma ciência sem animais

d) responsabilizar toda instituição com atividade de pesquisa na área da saúde a disponibilizar espaços de aprendizagem e reflexão sobre ética, educação humanitária e métodos alternativos ao uso de animais.

Vimos ainda constatar que o Simpósio de Métodos Alternativos ao Uso de Animais no Ensino, organizado pelo Concea, corrobora academicamente a viabilidade e a necessidade da promoção da educação humanitária no Brasil, com o fim do uso prejudicial de animais para o ensino.”

 

Referências

1 – Para um maior detalhamento sobre métodos prejudiciais ao uso de animais e políticas alternativas ao uso prejudicial de animais no ensino, seguir o guia da política da InterNICHE para alternativas na educação e treinamento <http://www.interniche.org/en/about/policy>

2 – Resolução Normativa nº 32, de 06 de setembro de 2016. Diário Oficial da União (08/09/2016), seção I, <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0240/240120.pdf>

3 – Diretriz Brasileira Para o Cuidado e a Utilização de Animais em Atividades de Ensino Ou de Pesquisa Científica – DBCA), item 5.1.1.J e 5.1.1.O. Diário Oficial da União (03/02/2016), seção I <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0238/238685.pdf>

4 – Para conhecer mais os integrantes da RedEH, visite o site http://www.instituto1r.org/#!redeh/cn8r

5 – Souza, M. F. de A. e. (2014). Status moral dos animais: percepções e ações sociais no Brasil. UFRJ/UFF/UERJ/FIOCRUZ. P. 96-98

6 – Silva, R. M. G. Da. (2003). Avaliação do método de ensino da técnica cirúrgica utilizando cadáveres quimicamente preservados. Dissertação (mestrado) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Departamento de Cirurgia (Vol. 3). Retrieved from <http://revistas.bvs-vet.org.br/recmvz/article/view/3263>