
A maioria de nós vive acreditando nos próprios pensamentos, achando que nossa opinião é a correta, e a do outro é apenas o fruto de sua ignorância, que somos um ser à parte, que consegue ver o que o outro não vê.
Grande parte da humanidade está apegada à própria maneira de entender o “mundo”, presa à sua cultura e a modos de pensar que não foram cultivados por si, mas por outras pessoas, pelo “sistema”. E segue sem espaço interior para outras possibilidades de entender a si mesmo e a própria vida.
Uma vez ouvi um comentário de alguém que vinha de uma consulta com um psicólogo, dizendo, assustado e indignado: “Veja só que absurdo! Ele quer mudar minha maneira de pensar e de entender a vida!”. Um exemplo extremo, mas que ilustra o quanto somos apegados à nossa maneira de pensar, como se fosse a única e verdadeira.
Nossa visão egóica, egocêntrica, é fruto da cultura e da pressão que ela exerce em ser hegemônica. Cultura que busca a própria sobrevivência e, no limite, justifica as guerras, voltadas basicamente ao roubo e ao extermínio de outras culturas. Somos conduzidos por grupos que se mantêm no poder à custa de vender-nos ideias e “tradições” de que somos melhores e, portanto, mais merecedores que os outros e com direito de submetê-los.
Ao longo da história da humanidade, muitos ousaram discordar e foram queimados em fogueiras, torturados, crucificados, assassinados, desonrados, amaldiçoados, eliminados. São milênios de violência e destruição, e aqueles que buscam alternativas muitas vezes se afastam, isolam, sentem-se não pertencendo a este mundo.
Buscadores, mestres, filósofos e sábios tentam nos ensinar a amar sem julgar, a cultivar a paz, a perceber que aquilo que chamamos de realidade são meras ilusões criadas por nossos pensamentos, nossas mentes.
A busca de entender o mundo de maneira diversa, mesmo quando resiste a obstáculos, pode passar por processos intensos de descrença, sofrimento e angústia. São muitas as pessoas deprimidas, amarguradas, suicidas, abandonadas. Algumas, porém, persistem na busca de assimilar o que os sábios ensinam, que é basicamente prestar atenção aos próprios pensamentos e vibrações, à maneira de nos relacionarmos com o “mundo”. O que sustenta essa busca geralmente é a insatisfação, o sofrimento. Mas a maioria não sabe como buscar, nem onde. E tenta mudar o “mundo” como se ele se resumisse ao lado de fora, ao outro, como se dentro estivesse tudo em ordem.
O que os sábios pacientemente vêm ensinando ao longo dos séculos é que essa busca é interna, que o “mundo” a ser enfrentado, entendido e transformado está dentro de cada um. Que para aprender é preciso prestar atenção à nossa maneira de ver, sentir, analisar, classificar e julgar o que chega até nós, que cria o nosso ponto de vista particular, já filtrado pela cultura e pela nossa memória.
Aprender como particularmente entendemos o mundo pode nos permitir vê-lo de fato, ou seja, vê-lo como uma mera interpretação que fazemos dele, e à qual nos aferramos. É um passo importante na jornada da vida, um processo intenso, que exige forte intenção e contínua atenção. Todas as grandes tradições da humanidade afirmam isso: Ser testemunha e observador de si mesmo é a essência da nossa experiência da vida, a única e grande meta. Mais que alcançar uma consciência abrangente, é trilhar o caminho de compreensão que nos leva a testemunhar o que a vida é de fato.
São imensas as atuais trevas de violência, ignorância, catástrofes e dor, desde nossos mundos pessoais, na família e no trabalho, até no plano planetário, com mudanças climáticas, geopolíticas e econômicas. Procurar testemunhar a vida sem tanto apego ao que achamos que somos e sabemos parece ser agora nosso maior desafio e quem sabe, nossa melhor esperança.