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Faça de sua casa um lar temporário (foster home) de animais

No Brasil, os lares temporários são o modo mais eficaz de os protetores independentes manterem animais de companhia após seu resgate, até que estejam em condições de ser adotados por uma família definitiva


O lar temporário é por definição o espaço doméstico onde se cuida de um animal resgatado, particularmente recém-nascido, que será em breve encaminhado para adoção. Caracteriza-se fisicamente como um espaço de transição, como um quartinho, varanda, quintal ou gaiola de uma casa ou de um apartamento, onde o animal recebe os devidos cuidados até retornar ao abrigo ou encontrar sua família humana definitiva. O animal deve ser colocado para adoção somente depois que todos os cuidados adequados com sua saúde – tais como vermifugação, vacinação e assistência veterinária – tenham sido tomados. Os animais adultos são geralmente colocados para adoção já castrado, e os filhotes, doados somente a partir de dois meses de vida.

O programa de lares temporários é uma excelente maneira de colaborar com os animais necessitados, fornecendo-lhes a oportunidade de interagir com pessoas dentro do ambiente familiar. Um fator imprescindível a ser considerado pelo cuidador voluntário é o encontro do lar definitivo para o animal acolhido, o que, dependendo de suas características individuais e da época do ano, pode demorar de vários dias a meses. Além disso, como os cães e gatos abandonados nas ruas são um problema da maioria dos grandes centros urbanos de todo o mundo, praticamente todas as sociedades buscam soluções efetivas de reintegração familiar desses animais. No Brasil, o problema é mais grave ainda, pois temos a segunda maior população de animais de companhia do mundo, com aproximadamente 101,1 milhões de animais, superada somente pela dos Estados Unidos, constituída de 146 milhões.

Uma das grandes vantagens do lar temporário é que os animais jovens ainda sem competência imunológica não são expostos desnecessariamente à superlotação e a patógenos ambientais, como acontece nos abrigos. Além disso, outros benefícios são a redução de estresse em  um ambiente tranquilo, a oportunidade de o convívio diário gerar autoconfiança e socialização, a exploração do espaço e as expressões normais (e desejáveis) de comportamento.

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Os animais muito jovens exigem mais do que a socialização disponível no abrigo, em particular os gatos (que têm apenas oito semanas após o nascimento para a apresentação intra e interespécie), e são os maiores candidatos aos lares temporários. O carinho, a atenção e a socialização nos lares temporários são fundamentais para o sucesso da transição desses animais para a família definitiva. Créditos: Fernando Gonsales

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Por um lado, um programa de lar temporário eficiente exige acordos legais e investimentos substanciais em comunicação, formação, gestão, manutenção de registros, assistência veterinária e apoio comportamental. No entanto, vale a pena, pois os risco futuros tanto para a saúde dos adotantes quando para a do adotado são potencialmente acrescidos quando comparado com quando os animais vão para a adoção sem estarem prontos quanto a sanidade, a socialização e o adestramento básico (housebroken). Dessa forma, o processo deve ser sistemático tanto na formação do cuidador quanto na observação das necessidades de cada animal e na escolha de potenciais adotantes, mesmo durante a permanência no lar temporário.

Nos Estados Unidos, o lar adotivo (foster home) é parte da estrutura organizacional de grande parte dos abrigos, sendo inclusive tema de capítulos de livros, palestras e cursos de capacitação, e desempenha um papel crucial para efetivamente salvar a vida dos animais. O programa norte-americano de lar temporário tem por objetivo fornece, como um componente-chave do plano de gestão, a habitação e outros cuidados necessários à saúde física e comportamental de uma população animal. Um programa bem organizado pode proporcionar muito benefícios, mas também representa desafios (Tabela 1).

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Objetivos comuns para programas de lares temporários
1 – Aumentar a capacidade da organização para salvar vidas. Esse é o objetivo final de muitos programas adotivos dos abrigos, mas os investimentos nos programas de acolhimento temporário sempre valem a pena, mesmo se isso não for possível.
2 – Maior bem-estar. Os lares temporários fornecem aos animais ambientes mais enriquecidos, geralmente livres de gaiolas e com maior potencial para o cuidado individualizado, interações positivas e oportunidades para a ligação com os seres humanos.
3 – Aumento da capacidade de atendimento. A redução da população do abrigo aumenta a quantidade de tempo e de espaço disponível para os animais que permanecem nele. Com a redução da quantidade de tempo que cada animal passa no abrigo, há consequente diminuição de risco de doenças para os indivíduos e para as populações como um todo.
4 – Potencial aumento de adoções. Os pais adotivos são muitas vezes excelentes advogados para seus animais de estimação temporários, e podem encontrar lares para a adoção por meio de suas próprias redes profissional ou pessoal de amigos.
5 – Maximiza os recursos. Programas de lar temporário podem ajudar a maximizar os recursos, mas eles nem sempre podem reduzir custos. O cuidado terceirizado pode reduzir as despesas de alimentação e de cuidados básicos do abrigo quando esses custos são assumidos pelos cuidadores adotivos.
6 – Reduzir investimento de recursos nos programas de acolhimento, embora para muitos abrigos possa haver investimento e organização adicionais significativos.
7 – Planejamento da capacidade de cuidar dos animais do abrigo.

Tabela 1 – Ao criar um programa de assistência social, cada organização deve assegurar que os cuidados adequado sejam fornecidos aos animais. Os recursos e o treinamento do cuidador, bem como as carascterísticas do lar adotivo, devem ser combinados com o apoio disponível do abrigo. O rastreamento adequado e o acompanhamento cuidado, seja médico ou comportamental, são essenciais para que um programa seja executado com êxito (adaptado de Miller ; Zawistowski, 2013).

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O programa de pais adotivos (foster parents) é composto de voluntários da comunidade que recebem animais em suas casas, oferecendo-lhes cuidados e ajuda para que encontrem o mais breve possível um lar definitivo. Originalmente, a única despesa para a família que os acolhe é o seu tempo e amor, pois o abrigo deve ser encarregar de providenciar integralmente alimentos, cobertores, toalhas, cama e assistência médico-veterinária para os animais. Nessa parceria de custeio e cuidados, a cada ano os pais adotivos experientes e inexperientes salvam as vidas de centenas de animais, dando-lhes ao menos uma segunda chance de serem felizes em suas família definitivas.

Embora alguns programas de lares temporários nos Estados Unidos não tenham uma instalação física para abrigar animais, eles constituem uma sólida rede administrativa e organizacional de lares adotivos. Os programas são executados geralmente como alternativas ao alojamento e à assistência dentro de um abrigo, sendo um local adicional para cuidados intensivos de animais que necessitem de constante atenção. O planejamento nesses locais é feito por meio de metas para cada etapa do processo de acolhimento, de forma a garantir que os recursos e as capacidades adequadas estejam disponíveis para apoiar cada passo do programa. Um serviço de assistência social a funcionários e voluntários integra o programa e oferece suporte emocional, particularmente aos cuidadores, para a prevenção de frustração, decepção e cuidados inadequados ou insuficientes para os animais.

A responsabilização do cuidado para com os animais faz com que os cuidadores tenham a compreensão do compromisso assumido e dos limites de sua capacidade de prestar apoio e cuidados adequados tanto para os animais quanto para si próprios. Alguns programas norte-americanos têm médicos-veterinários e especialistas em comportamento que prestam atendimentos e orientações de forma voluntária ou subsidiada aos lares temporários, muitas vezes em domicílio. Em outros casos, sendo mais difícil de monitorar, os próprios pais temporários pode ser responsáveis por procurar os serviços profissionais.

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Cão idoso encontrado debilitado no acostamento da rodovia BR-116, região metropolitana de Curitiba. Apesar de reabilitado, castrado, vacinado e microchipado, aguarda adoção há meses em lar temporário

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O planejamento é a mais importante etapa nesses programas, pois garante a eficiência dos cuidados fornecidos para os animais e o alcance das metas previamente estabelecidas. Os cuidadores assinam um acordo com a coordenação do programa antes de começar as atividades. Como forma de incentivo, podem ser mensalmente beneficiados com a compra de alimentos de boa qualidade para seus próprios animais a preços reduzidos.

 

Como se tornar um cuidador de um lar temporário?

O primeiro passo é preencher um pedido de cuidador e levá-lo a um abrigo, seguindo de aulas de orientação. Alguns cuidadores podem oprtar por gaiola ou habitação de canil para animais recém-chegados, em um esforço para minimizar a contaminação ambiental ou reduzir a potencial transmissão de patógenos para outros animais. Em alguns casos, um banheiro extra pode servir com habitação adequada para a quarentena dos novos animais, ou até que o risco de contaminação ambiental deixe de existir. O espaço destinado aos animais na área de habitação (gaiola, canil ou quarto), o seu enriquecimento ambiental e as oportunidades de eles se exercitarem no lar adotivo devem ser coerentes com as recomendações do abrigo quanto aos cuidados mínimos requeridos.

Outro ponto importante é manter atualizadas as vacinas dos próprios animais de estimação. Antes de levar para casa um animal acolhido, o médico-veterinário deve ser consultado, para se certificar de que os animais que vivem definitivamente na casa receberam o tratamento preventivo de que precisam. Por precaução, os animais adotivos devem ser mantidos separados dos animais de estimação definitivos, pelo menos inicialmente (uma ou duas semanas), em particular se não houver histórico sanitário ou de vacinação dos animais cuidados temporariamente.

Outro tópico importante é reconhecer seus limites, pois ser responsável por um lar temporário requer uma grande quantidade de tempo e energia tanto emocional quanto física, podendo gerar sobrecarga ou estafa, quer seja pela frequência, quer seja pela quantidade de animais cuidados temporariamente. Além disso, são regras igualmente importantes a compreensão dos requisitos para se tornar um pai adotivo, o apoio de todos os indivíduos que vivem na casa, o consentimento do seu proprietário, a leitura e a assimilação da “orientação ao pai adotivo”, o preenchimento do requerimento de lar temporário e, como descrito acima, ter seus próprios animais de estimação com as vacinas em dia e livres de endo e ectoparasitas.

Apesar de estarem sob a guarda do cuidador e em lar temporário, todos os animais continuam a ser propriedade do abrigo ou do serviço municipal. Mesmo assim, cuidar desses animais e gostar de ser um pai adotivo (lar temporário), apesar da grande demanda de tempo e compromisso, é uma experiência extremamente gratificante, que contribui para que a sociedade se torne melhor e mais humanitária.

No Brasil, os voluntários e cuidadores são mais conhecidos como protetores de animais independentes; seu número cresce a cada dia, e eles são extremamente importantes na reinserção de animais idosos, de adultos e de ninhadas abandonadas nas ruas. O número crescente de lares temporários funciona como uma alternativa para reduzir o número de animais abandonados e desabrigados, até que se encontre um lar definitivo. Como acontece com as crianças e os adolescentes que esperam pela adoção em abrigos e casas de famílias temporárias, os animais também são acolhidos por voluntários que assumem o papel de tutor por um período indeterminado.

O problema do sistema brasileiro é que as protetoras, muitas vezes sozinhas, tenham que realizar todo o processo de reinserção social, desde o resgate de animais das ruas, muitas vezes machucados ou entre a vida e a morte, até o cuidado inicial, a manutenção e os custos, acreditando na vida mesmo que sob condições adversas, com força e amor para torná-los novamente aptos para seus lares definitivos. Apesar de se trata de um lindo e valoroso trabalho humanitário, o período entre o resgate e as adoções pode ser prolongado e requerer assistência social especializada.

Embora possa parecer um pouco difícil acolher um animal que não será seu, o gratificante trabalho é facilmente incorporado na rotina da maioria dos cuidadores temporários. Não é preciso cuidar de muitos animais de uma só vez; se cada voluntário cuidar de um ou dois, já estará contribuindo para tornar menos estressante o longo caminho que esses cães e gatos percorrem até encontrar um lar definitivo. Em algumas situações, o lar temporário, mais que um conforto e um carinho, é uma necessidade para animais em condições de risco (Tabela 2). Recém-nascidos, idosos, animais traumatizados e feridos, que podem precisar de alimentação especial, ganham a oportunidade de receber dedicação exclusiva até seu pronto restabelecimento.

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Situações em que animais necessitam de lar temporário
1 – Animais muito jovens ou imaturos para ser adotados
2 – Animais jovens que exigem mais do que a socialização disponível no abrigo
3 – Animais idosos que encontram mais conforto em um ambiente familiar
4 – Animais feridos, debilitados ou que estão se recuperando de cirurgia
5 – Animais negligenciados que precisam de cuidados e carinho adicionais
6 – Animais com “estresse de abrigo”, que exigem ambiente doméstico calmo
7 – Animais com necessidades médicas especiais
8 – Fêmeas abandonadas recém-paridas ou com ninhadas
9 – Animais de 0 a 60 dias que requerem atenção especial de alimentação, aquecimento e higiene
10 – Animais em qualquer situação quando o abrigo estiver superlotado

Tabela 2 – Exemplos de situações de necessidade de lar temporário. Adaptado de http://www.seattle.gov/animal-shelter/volunteer/foster-care/foster-cat-program

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Ajudar animais parece ser uma tarefa em que a única exigência é ter amor por eles – mas nem todas as pessoas têm dinheiro, lugar e tempo para cuidar deles, já que ração, vacina, remédio, castração e limpeza geram muitas despesas. A maioria das cidades não possui um programa municipal de lares temporários para abrigar os animais, papel que no Brasil é feito por ONGs, protetores de animais e famílias adotivas. Os lares adotivos podem fornecer aos animais ambiente mais enriquecidos, geralmente livres de gaiolas e com maior potencial para o cuidado individualizado, promovendo interações positivas e oportunidades de ligação com os seres humanos. Podem ainda possibilitar o aumento da capacidade de atendimento, minimizando a quantidade de tempo que cada animal passa em um abrigo, o que contribui para a redução do risco de doenças entre os indivíduos e para as populações animais como um todo.

Quando você cede temporariamente um pequeno espaço para um animal em risco, está salvando sua vida e dando-lhe a chance de ganhar um lar e ter uma vida longa e feliz. Infelizmente, essa não é a realidade de grande parte dos cães e gatos. Todos os dias, centenas de animais são abandonados nas ruas e, sem alguém para cuidar deles, acabam ficando à própria sorte. Na melhor das hipóteses, são recolhidos e levados para um abrigo onde, em muitos casos, são obrigados a conviver com descaso, superlotação e falta de recursos mínimos para uma vida digna.

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Filhotes resgatados, desverminados e vacinados em lar temporário, aguardando adoção. Essa cena é muito comum nas redes sociais, em que os protetores de animais independentes assumem a responsabilidade do resgate do animal ou da ninhada abandonados, dos cuidados veterinários e da adoção

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Gata com cria recente amamentando seus filhotes em segurança no lar temporário. Os filhotes têm apenas 8 semanas após o nascimento para apresentação intra (com outros gatos) e interespécie (com cães e outras espécies), o que pode ser crucial para sua socialização e adotabilidade

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Mãe e filhotes resgatados do abandono aguardam em lar temporário a maturidade dos filhotes e a recuperação da mãe para adoção. Mesmo sendo animais de raça ou mestiços de raças pequenas (com maior demanda para adoção), faz-se necessário o lar temporário para que a adaptação e a integração do novo lar sejam definitivas

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Qualquer pessoa adulta ou orientada por um adulto pode ser responsável por um lar temporário. Basta tem espaço, o consentimento dos outros moradores, tempo disponível, algum recurso e carinho para acolher temporariamente um ou mais animais até que encontrem um lar definitivo. Oferecer um lar temporário é uma experiência gratificante e que salva vidas, além de ser fundamental para a reinserção de animais abandonados no Brasil.

No entanto – e isso precisa ficar bem claro – os lares temporários são apenas medidas paliativas para contornar o problema, que tem origem na falta de guarda responsável, na reprodução e no abandono de animais de companhia, em particular nos grande centros urbanos. Portanto, todo programa de manejo populacional de animais de companhia deve ser fundamentado na educação em guarda responsável, contracepção e combate constante ao abandono, com leis e punições cumulativas. A medicina veterinária do coletivo atua nos quatro pilares da proteção animal, articulando os lares temporários de modo que, enquanto não se acabe com a reprodução indesejada e o abandono, que esses animais tenham pelo menos a oportunidade de ter uma vida digna e feliz nos seus novos lares.

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Muito embora os lares temporários auxiliem o encontro de lares definitivos para os animais resgatados do abandono, os programas efetivos de manejo populacional devem ser fundamentados na educação em guarda responsável, castração gratuita e combate ao abandono por educação, fiscalização e responsabilização legal

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Referências sugeridas

MILLER, L. ; ZAWISTOWSKI, S. Shelter medicine for veterinarians and staff. Hoboken: Wiley-Brackwell, 2103.

Foster carehttp://www.seattle.gov/animal-shelter/volunteer/foster-care/foster-cat-program