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Direito Animal

As entidades de proteção animal e o direito de regresso contra o Poder Público omisso

Matéria escrita por:

Vicente de Paula Ataíde Junior

16 de maio de 2025

Entidades que atuam de forma vigorosa e intensa na proteção dos direitos animais têm o direito de regresso contra o Poder Público para o ressarcimento das despesas de manutenção das suas atividades. Créditos: weboneplus Entidades que atuam de forma vigorosa e intensa na proteção dos direitos animais têm o direito de regresso contra o Poder Público para o ressarcimento das despesas de manutenção das suas atividades. Créditos: weboneplus

Toda a atuação primária do Poder Público em favor dos animais – com a garantia da participação comunitária, tanto na elaboração das políticas, quanto na execução dos programas – é derivada do dever fundamental do Poder Público de proteção da fauna, conforme estatuído no art. 225, § 1º, VII, da Constituição de 1988.

A atuação do Poder Público não elimina, no entanto, a atuação cooperada das organizações sociais de proteção animal.

Essa marcante participação das entidades de proteção animal, sobretudo nos municípios desabastecidos de estruturas legais e administrativas para o atendimento de animais em situação de risco, conduz, ao menos, a quatro funções dessas entidades na concretização do princípio da participação comunitária: 

1) a função social, consistente das atividades executivas de resgate, tratamento e atenção aos animais em situação de risco (função subsidiária, mas excepcionalmente primária);

2) a função política, presente na participação quanto à formulação das políticas públicas de direitos animais (seja perante os Poderes Executivo e Legislativo, seja perante os Conselhos de Direitos Animais);

3) a função educativa, percebidas nas suas iniciativas de educação animalista, diretamente na comunidade ou por meio das redes sociais; e

4) a função jurídica, deveras importante na judicialização do Direito Animal, pela qual as associações vão a juízo para obter a tutela jurisdicional dos direitos animais, utilizando-se, principalmente, da ação civil pública (Lei 7.347/1985, conjugada com o Título III do Código de Defesa do Consumidor), para a proteção coletiva, e do art. 2º, § 3º, do Decreto 24.645/1934 (ainda em vigor), para a proteção individual; além desses aspectos, a função jurídica dessas entidades é visualizada na sua decisiva participação nas audiências públicas judiciais, bem como atuando como amicus curiae nas demandas coletivas ou na jurisdição constitucional, sobre direitos animais.

Mas, é importante ressaltar, na maioria das vezes, as entidades de proteção animal têm substituído o Poder Público municipal nas suas omissões inconstitucionais. 

Em muitos municípios – senão na sua grande maioria – a atenção aos animais em situação de risco acaba sendo realizada pelas entidades de proteção animal – e não pelo Poder Público, como deveria – o que representa um desvio da função preponderantemente subsidiária destas.

Cabe ao Poder Público (ao municipal primariamente e aos estaduais e federal solidariamente) realizar o atendimento aos animais em situação de risco, que não estejam incluídos em famílias multiespécie, que não tenham responsável direto ou indireto (como o tutor de animais comunitários) ou mesmo que sejam vítimas de maus-tratos em qualquer situação.

Às entidades de proteção animal cabe uma atuação subsidiária ou complementar, em caráter de cooperação com o Poder Público, conforme demanda o princípio da participação comunitária. 

Caso ocorra omissão inconstitucional do Poder Público, na elaboração e na implementação de uma política de atendimento aos animais, que leve à atuação primária das ONGs nesse sentido, certamente essas entidades terão o direito de regresso contra o respectivo Poder Público, para cobrar o ressarcimento pelas despesas oriundas das suas ações como substitutas do Poder Público. O exercício desse direito de regresso – no âmbito administrativo ou judicial – certamente será um importante instrumento para “acordar” os entes federativos para a sua missão constitucional de proteção aos animais.

Observe-se que o direito de regresso das entidades de proteção animal que atuam como substitutas do Poder Público, no atendimento de animais em situação de risco, é calcado do princípio do protetor-recebedor, já bastante difundido no Direito Ambiental e expressamente previsto no art. 5º, I, da Lei 14.119/2021 (Lei da Política Nacional pelo Pagamento por Serviços Ambientais), pelo qual se deve estimular aqueles que atuam, com mais vigor e intensidade, em prol da proteção do meio ambiente, retribuindo-se, economicamente, pelos serviços realizados em benefício de toda a sociedade (é o que se chama de direito premial).

Ora, quando uma entidade de proteção animal atua primariamente na proteção dos animais em situação de risco, caracterizando uma verdadeira substituição da atividade-fim do Poder Público, titular do dever fundamental de proteção dos animais, ela vai além da sua função de coadjuvante, para se tornar o ator principal da proteção. A proteção efetiva dos animais em situação de risco passa a depender completamente dessas entidades privadas. Para essa atuação primária e substitutiva, a entidade precisa despender recursos, os quais, na maioria das vezes, comprometem inteiramente o seu orçamento, obrigando a seus diretores a fazer constantes campanhas para arrecadação de novos fundos.

Exatamente para premiar entidades que atuam de forma vigorosa e intensa na proteção dos direitos animais é que se evoca o princípio do protetor-recebedor para garantir que essas entidades tenham o direito de se ressarcirem com o Poder Público, ao menos em relação às despesas mais elementares para a manutenção das suas atividades. É nesse sentido que se deve falar em direito de regresso contra o Poder Público. 

O Poder Público, omisso em destinar recursos e estrutura administrativa para realizar uma autêntica política de atendimentos aos direitos animais, deve ressarcir, regressivamente, a aqueles que suprem a falha administrativa, realizando a atividade-fim do Estado. É o Poder Público que, pela sua omissão, dá causa a esse estado de coisas desestruturado, que obriga às entidades da sociedade civil a agirem e a reagirem.

Assim, as entidades de proteção animal que se enquadrarem nessa hipótese – atuação primária e substitutiva do Poder Público omisso – podem requerer, administrativamente, o ressarcimento de suas despesas básicas (compra de ração animal, manutenção de abrigos temporários, pagamento de serviços e tratamentos veterinários etc.), comprovando documentalmente o dispêndio financeiro realizado.

Na hipótese de negativa da administração pública ou de ausência de resposta em tempo razoável, abre-se o caminho da judicialização, por meio dos advogados e advogadas animalistas, para o fim de cobrar, do ente federativo responsável, os respectivos valores.