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Direito médico-veterinário

Erro médico na veterinária

O que dizem o Código de Ética e o Código Civil?

Matéria escrita por:

Roberta Salim Menezes, Elan Cardozo Paes de Almeida

26 de set de 2022


O erro médico é conceituado como uma conduta profissional inadequada, capaz de produzir dano a outrem 1, podendo ser entendido ainda como um resultado adverso oriundo de uma falha no exercício profissional, em função de uma ação ou omissão médica caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência 2,3.

Entretanto, o Código de Ética Médica 4, apesar de não conceituar e nem definir o erro médico, destaca, no seu artigo 1º do Capítulo III, que é vedado causar dano ao paciente, seja por ação ou omissão, podendo ele ser caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência:

É vedado ao médico:

Art. 1º. Causar dano ao paciente, por ação ou omissão caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.

Na mesma esteira, o Código de Ética do Médico Veterinário 5 não conceitua nem define erro médico, prevendo, no seu artigo 9º, a responsabilização do profissional médico-veterinário que, no exercício da profissão, por dolo ou culpa, cause dano ao paciente. Nesse caso, a responsabilidade do médico-veterinário é de natureza subjetiva.

Chama-se responsabilidade civil subjetiva aquela decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo. O artigo 186 do Código Civil aduz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, gerando o dever de indenizar, de acordo com o artigo 927 do mesmo diploma legal.

A responsabilidade, em termos gerais, é formada pela associação de quatro elementos:

– conduta humana (positiva ou negativa); 

– dano ou prejuízo; 

– nexo de causalidade; e 

– culpa (negligência/imprudência/imperícia), sendo esta última aferida na modalidade subjetiva de responsabilidade.

“O núcleo fundamental da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.” 6

A conduta humana pode ser positiva (comissiva) ou negativa (omissiva). A conduta positiva traduz-se pela prática de um comportamento ativo, ao passo que a conduta negativa é uma atuação omissiva ou negativa capaz de gerar o dano.

O dano pode ser classificado como material e moral. O primeiro se traduz na lesão a bens e direitos economicamente aferíveis. Já o dano moral é decorrente da violação de direitos da personalidade, como a honra, a intimidade, a imagem, dentre outros, ou seja, é o dano capaz de atingir direitos de cunho personalíssimo do titular, cujo valor não se pode aferir.

O nexo de causalidade consiste no liame existente entre a conduta e o resultado da conduta do agente causador do dano, enquanto a culpa pode ser caracterizada por negligência, imprudência ou imperícia na conduta do agente.

Importa fazer a diferenciação entre o que venha a ser negligência, imprudência e imperícia. Esta última ocorre quando há uma “inaptidão, momentânea ou não, do agente para o exercício da arte, profissão ou ofício”. Quanto à imprudência e à negligência, é difícil identificá-las com precisão. Não raro, essas duas modalidades de culpa se interligam e, juntas, são consideradas causadoras do dano. A imprudência consiste na “prática de um ato perigoso sem os cuidados que o caso requer”, ao passo que “a negligência, ao contrário, é deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha” 7.

Como alhures exposto, segundo o artigo 927 do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187 do Código Civil), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo”.

Quanto à responsabilidade civil dos profissionais liberais, categoria que inclui os médicos-veterinários, é apurada mediante verificação de culpa – ou seja, há necessidade de se comprovar negligência, imprudência ou imperícia na conduta profissional, além do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso, nos termos do disposto no artigo 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor.

Os artigos 951 do Código Civil e 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor adotaram a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil dos profissionais liberais. Nesse diapasão, o artigo 9º do Código de Ética Médico-Veterinário (Resolução CFMV 1.138/2016) dispõe que o médico-veterinário será responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa, respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações que venham a causar dano ao paciente ou ao cliente e, principalmente:

I – praticar atos profissionais que caracterizem:

a) a imperícia;

b) a imprudência;

c) a negligência.

Assim, ao praticar o ato profissional que caracterize imprudência, imperícia ou negligência, o médico-veterinário poderá, conforme o caso, responder civil, penal e administrativamente.

Entrementes, o Capítulo XIV do Código de Ética de Medicina Veterinária dispõe sobre as agravantes e atenuantes da pena, bem como sobre a gradação e as respectivas penalidades. Dessa forma, a infração descrita no inciso I, artigo 9º do respectivo código pode ser graduada em: levíssima, leve, séria, grave e até gravíssima (artigo 32 a 37 da Resolução 1138/16).

A penalidade para a infração cometida está diretamente relacionada à gradação, podendo a aplicação da pena variar de uma advertência confidencial até a cassação do exercício profissional, na forma do artigo 39 do Código de Ética.

Uma das principais causas de processos éticos, civis e penais é o desconhecimento do médico-veterinário – desconhecimento esse relacionado ao perfil dos tutores, que estão cada vez mais exigentes; desconhecimento das legislações vigentes, como do Código de Defesa do Consumidor e de resoluções do CFMV vigentes; desconhecimento da finalidade e do objetivo do prontuário médico-veterinário (definição, função, conteúdo, guarda e sigilo); a falta de comunicação ao cliente, bem como o dever de informá-lo, principalmente no que se refere à autonomia do tutor/proprietário, aos termos de consentimento livre e esclarecido e à sua validade para a realização dos procedimentos médico-veterinários.

Os médicos-veterinários, segundo seu código de ética, têm deveres e direitos. Os deveres deontológicos estão presentes em todos os momentos do atendimento ao paciente e a seu respectivo proprietário/tutor (antes, durante e após o tratamento) 8 (Figura 1).

Da mesma forma, o médico-veterinário também tem direitos que devem ser respeitados (Figura 2).

Dessa forma, as ações de cunho administrativo ou jurídicas que têm como objeto erros médico-veterinários vêm aumentando consideravelmente, sendo os principais: óbitos em virtude de negligência; erros de diagnóstico; tratamentos inadequados; e procedimentos que agravam o problema de saúde.

Os serviços de diagnóstico em patologia animal vêm sendo procurados de maneira crescente nesta última década, sendo que muitos dos exames solicitados visam o levantamento de provas para subsidiar ações tanto na esfera cível como na administrativa contra veterinários e hospitais que prestam serviços de saúde animal. O estudo também mostra que há divergência na determinação do erro em cada caso concreto quando examinado por três observadores distintos, todos com experiência diagnóstica e jurídica 9.

Houve um aumento de 553% no número de ações judiciais movidas contra médicos-veterinários no estado de São Paulo nos períodos de 2008/2009 e 2014/2015, mormente pelo fato de os animais cada vez mais serem considerados membros da família 10.

No Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV/RJ) foi realizado um levantamento de protocolos de denúncias e de processos ético-profissionais (PEP) durante o período de 2000 a 2007, e chegou-se ao resultado de que a maioria foi realizada pelo público leigo (70,5%); dos 87 processos instaurados, 92% eram de profissionais que atuavam em clínica de pequenos animais. A principal natureza das denúncias que foram acatadas (60,9%) estava relacionada a imperícia, imprudência ou negligência, sendo que 35,6% envolviam essas alegações antes, durante e depois de cirurgias, e 18,4% nos atendimentos clínicos e/ou internações para tratamento clínico 11.

De acordo com a estatística divulgada pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRVMV/SP) 12, é possível observar que o número de processos ético-profissionais aumentou vertiginosamente entre os anos de 2015 a 2019, decrescendo em 2020 e 2021, possivelmente em função do período pandêmico vivenciado, apresentando a negligência como a terceira maior ocorrência.

Além disso, de acordo com o portal de transparência do CRMV/SP, a maioria dos denunciantes são proprietários/tutores (73%); as clínicas veterinárias (64%) e os hospitais (10%) são os locais onde mais ocorreram as infrações éticas; e as áreas de atuação dos profissionais apenados são clínica (70%), cirurgia (16%) e responsabilidade técnica (12%) 12.

Frise-se que há uma carência de dados estatísticos referentes aos PEPs nos CRMV regionais. O site do CRMV-SP é o único que tem em seu portal de transparência dados completos e atualizados; as demais autarquias estaduais carecem de informações.

Com efeito, em virtude do aumento do número de PEPs instaurados nos últimos anos, o Conselho Federal de Medicina Veterinária editou o Código de Processo Ético Profissional, Resolução do CFMV 1.330/2020 13, devendo ser observados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, sendo previsto expressamente o uso do Código de Processo Penal e de Processo Civil, de forma subsidiária e supletiva, quanto aos casos omissos 14.

Pelo exposto, podemos afirmar que o profissional médico-veterinário que incorre em erro médico, seja por conduta omissiva ou comissiva, dolosa ou culposa, pode responder perante o Conselho de Ética Veterinária, devendo ser observados os procedimentos previstos no Novo Código de Processo Ético-Profissional, sem prejuízo das demais ações cabíveis na esfera judicial.

Por fim, nas palavras do médico-veterinário Fábio Marcon, no livro Novo Código de Ética Médica Veterinária: comentários sob a ótica pericial: “A ética distingue um excelente médico-veterinário de um reles profissional, pois exercer a medicina veterinária de forma ética trará excelência ao ofício e, por consequência, o reconhecimento e o sucesso desejados” 15.

 

Referências

01-GOMES, J. C. M. ; DRUMOND, J. G. F. ; FRANÇA, G. V. Erro médico. 3. ed. Montes Claros: Unimontes, 2001. 96 p.

02-MARIA, A. C. B. E. ; SALVAGNI, F. S. ; SIQUEIRA, A. ; MESQUITA, L. P. ; MAIORKA, P. C. Erros médico-veterinários: caracterização da casuística e circunstâncias de ocorrência em animais submetidos à necropsia. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP, v. 13, n. 1, p. 64, 2015.

03-GIOSTRI, H. T. Erro médico – à luz da jurisprudência comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. 432 p. ISBN: 978-8536207544.

04-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019. 108 p.

05-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1.138, de 16 de dezembro de 2016. Aprova o Código de Ética do Médico Veterinário. CFMV, 2016.

06-GAGLIANO, P. S. ; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil – as famílias em perspectiva constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

07-GRECO, R. Curso de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. 809 p. ISBN: 978-8576267430.

08-DALLARI Jr., J. A. Direito médico-veterinário. 1. ed. São Paulo: Recanto das Letras, 2021. 348 p. ISBN: 978-8571421059.

09-YOSHIDA, A. S. Erros médico-veterinários: I. Caracterização da casuística e circunstâncias de ocorrência em animais submetidos à necropsia do Serviço de Patologia Animal – FMVZ/USP e análise à luz da legislação brasileira; II. Análises das sentenças dos processos judiciais de segunda instância no estado de São Paulo; III. Análises das sentenças dos processos judiciais de primeira instância no estado de São Paulo de óbitos de animais em estabelecimentos veterinários de banho e tosa. 183 f. 2020. Tese (Doutorado em Ciências) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.

10-SOUZA, C. N. A. ; LIMA, D. M. ; SOUZA, A. N. A. ; MAIORKA, P. C. Quantitative and qualitative analysis of lawsuits against veterinarians and correlation of potential risk factors with court decisions, Forensic Science International, v. 310, p. 110233, 2020. doi: 10.1016/j.forsciint.2020.110233.

11-MORAES, I. A. ; IGNÁCIO, R. N. ; SILVA, R. R. P. ; GROOTENBOER, C. S. Denúncias e processos de desvio de conduta ética no Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (2000-2007). Clínica Veterinária, ano XVI, n. 93, p. 80-84, 2011. ISSN: 1413-571X.

12-CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA DE SÃO PAULO. Diretoria do CRMV-SP apresenta Relatório de Gestão 2015/2021 às classes. CRMV-SP, 2021. Disponível em: <https://crmvsp.gov.br/diretoria-do-crmv-sp–apresenta-relatorio-de-gestao-2015-2021-as–classes/>. Acesso em 30 de abril de 2022.

13-SOUZA, C. N. A. ; MAIORKA, P. C. O Código de Processo Ético-Profissional. O que mudou? Clínica Veterinária, ano XXVII, n. 158, p. 48, 2022. ISSN: 1413-571X.

14-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINARIA. Resolução nº 1.330, de 16 de junho de 2020. Aprova o Código de Processo Ético-Profissional no âmbito do Sistema CFMV/CRMVs. CFMV, 2020.

15-MARCON, F. M. ; CONCEIÇÃO, C. D. D. C. ; PAES-DE-ALMEIDA, E. C. Novo Código de Ética Médica Veterinária: comentários sob a ótica pericial. 1. ed. Salvador, 2017. 132 p.

 
 
 
 



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